segunda-feira, 4 de outubro de 2010

FUVEST/UNICAMP 2010 – AULA DE LIVRO

FUVEST/UNICAMP 2010 – AULA DE LIVRO
CAPITÃES DA AREIA
(Jorge Amado)

O livro é dividido em três partes. Antes delas, no entanto, via uma seqüência de reportagens e depoimentos, explicando que os Capitães da Areia é um grupo de menores abandonados e marginalizados, que aterrorizam Salvador. Os únicos que se relacionam com eles são Padre José Pedro e uma mãe-de-santo, Don'Aninha. O Reformatório é um antro de crueldades, e a polícia os caçam como adultos antes de se tornarem um. A primeira parte em si, "Sob a lua, num velho trapiche abandonado" conta algumas histórias quase independentes sobre alguns dos principais Capitães da Areia (o grupo chegava a quase cem, morando num trapiche abandonado, mas tinha líderes). Pedro Bala, o líder, de longos cabelos loiros e uma cicatriz no rosto, uma espécie de pai para os garotos, mesmo sendo tão jovem quanto os outros, que depois descobre ser filho de um líder sindical morto durante uma greve; Volta Seca, afilhado de Lampião, que tem ódio das autoridades e o desejo de se tornar cangaceiro; Professor, que lê e desenha vorazmente, sendo muito talentoso; Gato, que com seu jeito malandro acaba conquistando uma prostituta, Dalva; Sem- Pernas, o garoto coxo que serve de espião se fingindo de órfão desamparado (e numa das casas que vai é bem acolhido, mas trai a família ainda assim, mesmo sem querer fazê-lo de verdade); João Grande, o "negro bom" como diz Pedro Bala, segundo em comando; Querido- de- Deus, um capoeirista amigo do grupo, que dá algumas aulas de capoeira para Pedro Bala, João Grande e Gato; e Pirulito, que tem grande fervor religioso. O apogeu da primeira parte é dividido em, quando os meninos se envolvem com um carrossel mambembe que chegou na cidade, e exercendo sua meninez; e quando a varíola ataca a cidade, matando um deles, mesmo com Padre José Pedro tentando ajudá-los e se indo contra a lei por isso. A segunda parte, "Noite da Grande Paz, da Grande Paz dos teus olhos", surge uma história de amor quando a menina Dora torna-se a primeira "Capitã da Areia", e mesmo que inicialmente os garotos tentem tomá-la a força, ela se torna como mãe e irmã para todos. (O homossexualismo é comum no grupo, mesmo que em dado momento Pedro Bala tente impedi-lo de continuar, e todos eles costumam "derrubar negrinhas" na orla.) Professor e Pedro bala se apaixonam por ela, e Dora se apaixona por Pedro Bala. Quando Pedro e ela são capturados (ela em pouco tempo passa a roubar como um dos meninos), eles são muito castigados, respectivamente no Reformatório e no Orfanato. Quando escapam, muito enfraquecidos, se amam pela primeira vez na praia e ela morre, marcando o começo do fim para os principais membros do grupo. "Canção da Bahia, Canção da Liberdade", a terceira parte, vai nos mostrando a desintegração dos líderes. Sem-Pernas se mata antes de ser capturado pela polícia que odeia; Professor parte para o Rio de Janeiro para se tornar um pintor de sucesso, entristecido com a morte de Dora; Gato se torna uma malandro de verdade, abandonando eventualmente sua amante Dalva, e passando por ilhéus; Pirulito se torna frade; Padre José Pedro finalmente consegue uma paróquia no interior, e vai para lá ajudar os desgarrados do rebanho do Sertão; Volta Seca se torna um cangaceiro do grupo de Lampião e mata mais de 60 soldados antes de ser capturado e condenado; João Grande torna-se marinheiro; Querido-de-Deus continua sua vida de capoeirista e malandro; Pedro Bala, cada vez mais fascinado com as histórias de seu pai sindicalista, vai se envolvendo com os doqueiros e finalmente os Capitães de Areia ajudam numa greve. Pedro Bala abandona a liderança do grupo, mas antes os transforma numa espécie de grupo de choque. Assim Pedro Bala deixa de ser o líder dos Capitães de Areia e se torna um líder revolucionário comunista.
Este livro foi escrito na primeira fase da carreira de Jorge Amado, e nota-se grandes preocupações sociais. As autoridades e o clero são sempre retratados como opressores (Padre José Pedro é uma exceção mas nem tanto; antes de ser um bom padre foi um operário), cruéis e responsáveis pelos males. Os Capitães da Areia são tachados como heróis no estilo Robin Hood. No geral, as preocupações sociais dominam, mas os problemas existenciais dos garotos os transforma em personagens únicos e corajosos, corajosos Capitães de Areia de Salvador.
 
Personagens

Pedro Bala
Era um jovem loiro de 15 anos, que tinha um corte no rosto. Era o chefe dos Capitães da Areia, ágil, esperto, respeitador e sabia respeitar a todos. Saiu do grupo para comandar e organizar os Índios Maloqueiros em Aracaju, deixando como líder do grupo Barandão. Depois disso ficou muito conhecido por organizar várias greves, como perigoso inimigo da ordem estabelecida.
João Grande
Era um negro alto, forte e burro Cabelo crespo e baixo, músculos rígidos, tem 13 anos. Era também o defensor dos meninos pequenos do grupo. Era figura importante no grupo, e realizava os mais audaciosos furtos ao lado de Bala, seu destino foi se mandar como ajudante num navio. Seu pai, um carroceiro gigantesco , morreu atropelado por um caminhão, quando tentava desviar o cavalo para um lado da rua. Após a morte de seu pai, João Grande não voltou mais ao morro onde morava, pois estava atraído pela cidade da Bahia. Cidade essa que era negra, religiosa , quase tão misteriosa como o verde mar. Com nove anos entrou no Capitães de areia. Época em que o Caboclo ainda era o chefe. Cedo, se fez um dos chefes do grupo e nunca deixou de ser convidado para as reuniões que os maiorais faziam para organizar os furtos. Ele não era chamado para as reuniões porque ele era inteligente e sabia planejar os furtos, mas porque ele era temido, devido a sua força muscular. Se fosse para pensar, até lhe doía a cabeça e os olhos ardiam. Os olhos ardiam também quando viam alguém machucando menores.Então seus músculos ficavam duros e ele estava disposto a qualquer briga. Ele era uma pessoa boa e forte , por isso, quando chegavam pequeninos cheios de receio para o grupo, ele era escolhido o protetor deles. O chefe dos capitães de areia era amigo de João Grande não por sua força, mas porque Pedro o achava muito bom, até melhor que eles. João Grande aprende capoeira com o Querido-de-Deus junto com Pedro Bala e Gato. João Grande tem um grande pé, fuma e bebe cachaça. João Grande não sabe ler. João Grande ,era chamado de Grande pelo professor, admirava o professor. O professor achava João Grande um negro macho de verdade.
Dora
Tinha treze para quatorze anos, era a única mulher do grupo e se adaptou bem a ele. Era uma menina muito simples, dócil, bonita, simpática e meiga. Conquistou facilmente o grupo com seus cabelos lisos. Seus pais haviam morrido de alastrim (varíola) e ela ficou sozinha no mundo com seu irmão pequeno. Tentou arrumar emprego, mais ninguém queria empregar filha de bexiguento. Aí ela encontrou João Grande e professor que a chamaram para morar no Trapiche, e logo ela já era considerada por todos como uma mãe, irmã e para Bala uma noiva. Ela participava dos roubos com os outros meninos. Morreu queimando de uma febre muito forte, depois de se tornar esposa de Pedro Bala. Morreu como uma santa, pois havia sido boa. Para ele, virara uma estrela.
Sem Pernas
Era um garoto pequeno para sua idade, coxo de uma perna, agressivo, individualista. Era quem penetrava nas casas de família fingindo ser um pobre órgão com o objetivo de descobrir os lugares da casa, onde ficavam os objetos de valor depois fugia e os Capitães da Areia assaltavam a casa. Seu destino foi suicidar-se, se atirando do parapeito do elevador Lacerda, pelo ódio que nutria pela polícia baiana. Morrera se jogando de um penhasco (elevador), depois de muito correr fugindo da polícia após um roubo. Ele preferira morrer a se entregar.
Professor
Era um garoto magro, inteligente, calmo e o único que sabia ler no grupo. O professor era quem planejava os roubos dos Capitães da Areia. Depois de muito tempo aceitou um convite e com seu dom de pintar, fora ao "Rio de Janeiro" tentar sucesso. Lá com os quadros dos Capitães da Areia ficou famoso. Também foi apaixonado por Dora.
Boa Vida
Era mulato troncudo e feio, o mais malandro do grupo, e sabia tocar violão, também participava dos principais roubos do grupo. Seu destino foi virar um verdadeiro malandro, que vivia a correr pelos morros compondo sambas.  Era mais um malandro da cidade, que fazia sambas e cantava pelas ruas, nas calçadas, nos bares, a "vagabundar".
Querido-de-Deus
Ensinava os meninos a lutar capoeira, uma forma de resistência contra as mazelas do mundo, de vez em quando arrumava “bicos” para os Capitães da Areia. Todos no trapiche o admiravam. Era pescador.
Dalva:
Era uma mulher de uns trinta e cinco anos, o corpo forte, rosto cheio de sensualidade. O Gato a desejou imediatamente, tornou-se mais tarde amante do Gato.
Pirulito
Era magro e muito alto, uma cara seca, meio amarelada, olhos fundos, boca rasgada e pouco risonha. Era o único do grupo que tinha vocação religiosa apesar de pertencer aos Capitães da Areia. Quando parou de roubar, para sobreviver vendia jornais, seu destino foi ajudar o padre José Pedro numa paróquia distante.  Garoto magro e muito alto, olhos encovados e fundos. Tinha vocação eclesiástica.
Volta Seca
Era um mulato sertanejo, afilhado de Lampião que odiava a polícia. Seu destino foi ir para o Nordeste na rabada de um trem, até entrar no grupo de Lampião e virar um cangaceiro destinado. Mulato sertanejo. Viera da caatinga. Tinha como ídolo o cangaceiro Lampião.
Gato
Era o mais bonito e mais elegante da turma. Tinha em caso com Dalva mulher das noites que todo o dia ia vê-la. Participava dos planos mais arriscados e era muito malandro e esperto. Tempos depois foi embora para Ilheús tentar a sorte. Candidato a malandro do bando, era elegante, gostando de se vestir bem. Tinha um caso com a prostituta, Dalva, que lhe dava dinheiro, por isso, muitas vezes, não dormia no trapiche. Só aparecia ao amanhecer, quando saía com os outros, para as aventuras do dia.
João-de-Adão
Estivador, negro fortíssimo e antigo grevista, era igualmente temido e amado em toda a estiva. Através dele, Pedro Bala soube de seu pai.

Em Capitães de Areia temos a "cidade alta" como cenário principal. Pedro Bala é o chefe de um grupo de jovens arruaceiros que roubam para sobreviver. Nunca ninguém havia mencionado em literatura este bando de jovens que engenhosamente desafia as autoridades, roubando a classe privilegiada e dividindo o produto do roubo entre os seus camaradas subnutridos.
Embora claramente uma obra de protesto "Capitães da Areia" não se vale de ocas figuras centrais que se limitem a expor determinadas filosofias, tampouco marcas negativas. Ao contrário todas principais personagens, como as secundárias mais significativas, são bem desenvolvidas, ainda que um tanto sentimentalmente capazes mesmo de combater com excessivo preconceito do narrador onisciente.
As personagens são, em sua maioria, masculinas, e dentre eles, Pedro Bala, cuja agilidade sugerida pelo apelido, merece especial atenção - Sem Pernas, Pirulito, O Professor são os mais destacados: Ainda temos no grupo João Grande, Volta Seca, Boa-Vida, muito bem configurados pelos seus apelidos baseados na aparência física.
Dora é a única figura feminina merecedora de destaque, pois ela passa a assumir o referencial feminino da família, a mãe. Para alguns ela é uma mãe, para outros uma irmã, e para Pedro Bala uma namorada. Voltando a Pedro Bala, suas valentes façanhas de jovem capitão de enjeitados a organizador comunista dão margem a uma curiosa interpretação. Ele e seu bando vivem e agem como muitos jovens nas mesmas circunstâncias. Estes jovens enfrentam o Governo, moram escondidos e garantem o Pão roubado dos ricos.
Os Capitães da Areia se mostram bastantes envolvidos e respeitadores do folclore e religião da Bahia. Ao mesmo tempo que eles se relacionam bem com o padre José Pedro, eles se dão bem com a Mãe de Santo D. Aninha. Envolviam-se no candomblé, capoeira e respeitavam a igreja. Trata-se da força do sincretismo religioso na obra de Jorge Amado.
A justiça se mostrava indiferente ao Capitães da Areia só se preocupando com eles quando roubavam alguém importante! Aí eles eram perseguidos. A igreja também não se mostrava preocupada com os Capitães da Areia. Apenas o padre José Pedro se interessava em ajudá-los. A impressa fazia o papel de porta-voz de problemas relacionados aos Capitães da Areia; mas o espaço era sempre e mais destacados quando o material era para acusá-los.

Espaço
A narrativa se desenrola no Trapiche (hoje Solar do Unhão e o Museu de Arte Moderna); no Terreiro de Jesus (na época era lugar de destaque comercial de Salvador); onde os meninos circulavam na esperança de conseguirem dinheiro e comida devido ao trânsito de pessoas que trabalhavam lá e passavam por lá; no Corredor da Vitória área nobre de Salvador, local visado pelo grupo porque lá habitavam as pessoas da alta sociedade baiana, como o comendador mencionado no início da narrativa.

Tempo
A obra apresenta tempo cronológico demarcado pelos dias, meses, anos e horas conforme exemplificam os fragmentos: "É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia, Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim, desde seus 5 anos. Hoje tem 15 anos. Há dez anos que vagabundeia nas ruas da Bahia."
O tempo psicológico correspondente às lembranças e recordações constantes na narrativa.
A fala de Zé Fuinha (...) "Quando terminaram, o preto bateu as mãos uma na outra, falou:
- Teu irmão disse que a mãe de você morreu de bexiga...
- Papai também...
- Lá também morreu um...
- Teu pai?
- Não. Foi Almiro um do grupo."

Foco Narrativo
A obra "Capitães da Areia" é narrada na terceira pessoa, sendo o autor, Jorge Amado, o narrador heterodiegético de focalização onisciente. Ele se comporta, durante todo o desenvolvimento do tema, de maneira indiferente, criando e narrando os acontecimentos sem se envolver diretamente com eles.
Retrata os meninos como moleques atrevidos, malandros, espertos, famintos, ladrões, agressivos, falsos, soltos de língua, carentes de afetos, de instrução, de comida.
O livro é dividido em três partes. Antes delas, no entanto, vem uma seqüência de pseudo-reportagens, que caracterizam-nos e mostram diversas visões sobre o caso.
Primeira Parte: Sob a lua, num velho trapiche abandonado.
Subdividida em 10 capítulos, a primeira parte apresenta o local em que as ações transcorrerão. Um trapiche(ou armazém abandonado), à beira-mar, que no passado fora um local movimentado e agora está sujo e infestado de ratos. Fora frequentado inicialmente pela marginália, até ser tomado pelo bando dos capitães de areia.
"Sob a Lua, num velho trapiche abandonado, as crianças dormem. Antigamente aqui era o mar. Nas grandes e negras pedras dos alicerces do trapiche as ondas ora se rebentavam fragosas, ora vinham se bater mansamente. A água passava por baixo da ponte sob a qual muitas crianças repousam agora, iluminadas por uma réstia amarela de lua. Desta ponte saíram inumeros veleiros carregados, alguns eram enormes e pintados de estranhas cores, para a aventura das travessias maritimas. Aqui vinham encher os porões e atracavam nesta ponte de tábuas, hoje comidas. Antigamente diante do trapiche se estendia o mistério do mar-oceano, as noites diante dele eram um verde-escuro, quase negras, daquela cor misteriosa que é a cor do mar à noite."
Ao Contrario de outros grupos espalhados pela cidade, os Capitães da Areia têm lider, seguem normas e, principalmente, obedecem a um chefe que cumpre o papel de "manter um lar" para as crianças que ali vivem. Pedro Bala, quase naturalmente surge como um idere tem o papel de harmonizar, manter a ordem e, de certa maneira, ensiná-los a agir sob certas circunstancias. Com Quinze anos, audaz, ativo e conhecedor de todos os recantos da cidade, é marcado por uma cicatriz e por seus cabelos loiros.Poucos lhe conheceram a mãe, e o pai "morrera num balaço", daí talvez a origem de seu apelido. Para firmar a liderança, Pedro Bala destituiu o caboclo Raimundo, pós uma luta pelo "poder".
O ápice da primeira parte vem em dois momentos: quando os meninos se envolvem com um carrossel mambembe que chegou na cidade, e experimentam as sensações infantis; e quando a varíola ataca a cidade e acaba matando um deles, apesar da tentativa do padre José Pedro em ajudá-los, e tendo grandes embaraços por causa disso.

Segunda parte: Noite da Grande Paz, da Grande Paz dos teus olhos

Esta parte é composta por oito capítulos. E no capítulo “Filha de bexiguento ocorre a apresentação de Dora ao seu irmão mais novo, Zé Fuinha.
Relata a história de amor que surge quando Dora torna-se a primeira "Capitã da Areia". Apesar de inicialmente os garotos tentarem estuprá-la, Dora se torna uma espécie de mãe para os mais novos, irmã parea os mais velhos, companheira de luta para todos, amante para Bala e amor platônico para Professor.
Na parte que fala sobre o Reformatório retoman-se as notícias do “Jornal da Tarde”, onde fala da captura de Dora e Pedro Bala e para onde cada um é conduzido; a primeira ao orfanato e o segundo ao presidio. Tanto Dora e Pedro bala passam os maiores dissabores nas duas instituiçoes, até que são soltos pelos seus companheiros. Pedro bala não se dixa seduzir pelas facilidades que lhe prometem, mesmo sofrendo horrores na solitária (cafua).
“Agora davam-lhe de todos os lados. Chibatadas, socos, pontapés. O diretor do reformatório levantou-se, sentou-lhe o pé, Pedro Bala caiu do outro lado da sala. Nem se levantou. Os soldados vibraram os chicotes. Ele via João Grande, Professor, Volta Seca, Sem-pernas, o Gato. Todos dependiam dele. A segurança de todos dependia da coragem dele. Ele era o chefe, não podia trair. Lembrou-se da cena da tarde. Conseguira dar fuga aos outros, apesar de estar preso também. O orgulho encheu seu peito. Não falaria, fugiria do reformatório, libertaria Dora. E se vingaria... Se vingaria...
Grita de dor. Mas não sai uma palavra dos seus lábios. Vai te fazendo noite para ele. Agora já nao sente dores, já não sente nada. No entanto, os soldados ainda o surram, o investigador o soqueia. Mas e não sente mais nada.
- Desmaiou    diz o investigador.”

Após o resgare de Pedro Bala e Dora pelos seus amigos Capitães da Areia. Dora adoece e míngua de uma febre que a corrói. Dora no seu último ato conscinte, torna-se completamente mulher e entrega-se a Pedro Bala.

“- Tu sabe que já sou moça?
A mão dele pousada nos seus seios, os corpos juntos. Uma grande paz nos olhos dela:
- Foi no orfanato... agora posso ser tua mulher.
Ele a olha espantado:
- Não, que tu tá doente...
- Antes de eu morrer. Vem...
- Tu não vai morrer.
- Se tu vier, não.
Se abraçaram. O desejo é abrupto e terrível. Pedro não a quer magoar, mas ela não mostra sinais de dor. Uma grande paz em todo seu ser.
- Tu é minha agora fala ele com a voz agitada.
Ela parecia não sentir a dor da posse. Seu rosto acendido pela febre se enche de alegria. Agora a paz é só da noite, com Dora está a alegria. Os corpos se desunem. Dora murmura:
- É bom... Sou tua mulher.
Ele a beija. A paz voltou ao rosto dela. Fita Pedro Bala com amor.
- Agora vou dormir – diz.
Deita ao lado dela, segura sua mão ardente. Esposa. A paz da noite envolve os esposos. O amor é sempre doce e bom, mesmo quando a morte está próxima. Os corpos não se balançam mais no ritmo do amor. Mas no coração dos dois meninos não há mais nenhum medo. Somente paz, a paz da noite da Bahia.
Na madrugada, Pedro põe a mão na testa de Dora. Fria. Não tem mais pulso, o coração não bate mais. O seu grito atravessa o trapiche, desperta os meninos. João Grande a olha de olhos abertos. Diz a Pedro Bala:
- Tu não devia ter feito...
- Foi ela que quis – explica e sai para não rebentar em soluços.
Professor se chega, fica olhando. Não tem coragem de tocar no corpo dela. Mas sente que para ele a vida do trapiche acabou, não lhe resta mais nada que fazer ali. Pirulito entra com o padre José Pedro. O padre pega no pulso de Dora, bota a mão na testa:
- Está morta.
- Padre nosso que estais nos céu...
Pedro Bala se lembra das rezas à noite no reformatório. Seus ombros se encolhem, tapa os ouvidos. Volta-se, vê o corpo de Dora. Pirulito pôs uma flor roxa entre seus dedos. Pedro Bala rompe em soluços.”

Terceira parte: Canção da Bahia, Canção da Liberdade

Mostra a desintegração dos líderes. Sem-Pernas se mata antes de ser capturado pela polícia que odeia “sobe para o pequeno muro, volve o rosto para os guardas que ainda correm, ri com toda força do qseu ódio, cospe na cara de um que se aproxima entendendo os braços, se atira de costas no espaço, como se fosse um trapezista de circo”; Professor parte para o Rio de Janeiro onde torna-se um pintor de sucesso, entristecido com a morte de Dora; Boa-Vida torna-se um malandro a vagar nas ruas da cidade; Gato viaja para Ilhéus, se torna um malandro de verdade jogador de gigolô, abandonando eventualmente por sua amante Dalva; Pirulito se torna frade e ensina catequese para as crianças pobres; Padre José Pedro finalmente consegue uma paróquia no interior, e vai para lá ajudar os desgarrados do rebanho do Sertão; Volta Seca após ser preso e orturado, se torna um cangaceiro do grupo de Lampião e mata mais de 60 soldados antes de ser capturado e condenado; João Grande torna-se marinheiro; Querido-de-Deus continua sua vida de capoeirista e malandro; Pedro Bala, cada vez mais fascinado com as histórias de seu pai sindicalista, vai se envolvendo com os doqueiros e finalmente os Capitães de Areia ajudam numa greve. Pedro Bala abandona a liderança do grupo, mas antes os transforma numa espécie de grupo de choque. Assim Pedro Bala deixa de ser o líder dos Capitães de Areia e se torna um líder revolucionário comunista.

“Uma voz que vem de todos os pobres, do peito de todos os pobres. Uma voz que diz uma palavra bonita de solidariedade, de amizade: companheiros. Uma voz que convida para a festa da luta. Que é como um samba alegre de negro, como ressoar dos atabaques nas macumbas. Voz que vem da lembrança de Dora, valente lutadora. Voz que chama Pedro Bala. Como a voz de Deus chamava Pirulito, a voz do ódio o Sem-Pernas, como a voz dos sertanejos chamava Volta Seca para o grupo de Lampião. Voz poderosa como nenhuma outra. Porque é uma voz que chama para lutar por todos, pelo destino de todos, sem exceção. Voz poderosa como nenhuma outra. Voz que atravessa a cidade e vem de todos os lados. Voz que traz com ela uma festa, que faz o inverno acabar lá fora e ser a primavera. A primavera da luta. Voz que chama Pedro Bala, que o leva para a luta. Voz que vem de todos os peitos esfomeados da cidade, de todos os peitos explorados da cidade. Voz que traz o bem maior do mundo, bem que é igual ao sol, mesmo maior que o sol: a liberdade. A cidade no dia de primavera é deslumbradoramente bela. Uma voz de mulher canta a canção da Bahia. Canção da beleza da Bahia. Canção da Bahia que uma mulher canta. Dentro de Pedro Bala uma voz o chama: voz que traz para a canção da Bahia, a canção da Liberdade. Voz poderosa que o chama. Voz de toda a cidade pobre da Bahia, voz da liberdade. A revolução chama Pedro Bala.”

Em notícias de Jornal o livro volta ao ?Joirnal da Tarde em forma de notícia, celando o destino dos meninos: Professor expão: “Cenas e retratos de meninos pobres. É que todos os sentimentos bons estão sempre representados na figura de uma menina magra de cabelos loiro e faces febris”. Gato e Volta Seca são presos.

“ Anos depois os jornais e classe, pequenos jormais, dos quais vários não tinham existência legal e se imprimiam em tipografias clandestisnas, jornais que circulavam nas fábricas, passados de mão em mão, e que eram lidos à luz de fifós, publicavam sempre notícias sobre um militante proletário, o camarada Pedro Bala, que como organizador de greves, como dirigente de partidos ilegais, como perigoso inimigo da ordem estabelecida. No ano em que todas as bocas foram impedidas de falar, no ano que foi todo ele uma noite de terror, esses jormais (únicas bocas que ainda falavam) clamavam pela liberdade de Pedro Bala, líder da sua classe, que se encontrava preso numa colônia. E, no dia em que ele fugiu, em inúmeros lares, na hora pobre do jantar, rostos se iluminaram ao saber da notícia. E, apesar de que fora era o terror, qualquer daqueles lares era um lar que se abriria para pedro Bala, fugitivo da polícia. Porque a revolução é uma pátria e uma família.”

Análise

O que o livro "Capitães da Areia" nos transmite, na verdade, é o fato de cada um dos garotos tentar substituir o amor de mãe que lhes falta. Pirulito descobriu Deus para lhe transmitir um pouco desse carinho; Gato descobriu Dalva, uma mulher já feita, muito mais velha que ele, que lhe dava prazer todas as noites; Volta-Seca no seu padrinho, Lampião, que lhe permitia sonhar que um dia se juntaria a ele e juntos lutariam contra o sistema; Professor acha seu afeto na pintura e nela mostra seus sentimentos; e assim por diante. Contudo, a realidade é que, por mais que eles tentem, esse carinho de mãe não pode ser substituído e que há sempre aquele espaço vazio nos seus corações, o que os leva a continuar a conduzir a vida, na maior parte dos casos, pela criminalidade. Mostra também que o problema desses meninos faz parte da nossa realidade e que não são todas as pessoas que se preocupam com isso, tratando esses meninos como delinquentes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário