domingo, 24 de outubro de 2010

Vem aí o segundo Cine Cursinhos!

Pessoal, vem aí mais um Cine Cursinhos!
A sessão vai acontecer no NAV - Rua Bahia 318

Logo logo eu confirmo a data e o horário...

Não percam!

Primeiro Cine Cursinhos! Confira!

ENCONTRO DOS CURSINHOS POPULARES DE RIBEIRÃO PRETO – CINECURSINHOS RP
FILME: O SENHOR DAS ARMAS
Alguns aspectos discutidos no dia 25 de setembro de 2010.
Você, que foi ao primeiro e singelo encontro cinematográfico com o objetivo de promover a integração entre os participantes dos cursinhos populares ou comunitários de Ribeirão Preto, deve ter visto diversas discussões interessantes, e certamente recebeu inúmeras orientações no sentido de que continuasse o estudo do assunto após o filme. Para ajudar você nessa árdua tarefa resolvemos enviar esse texto que é uma ferramenta muito prática, você verá. Comecemos então a organizar o que foi discutido:
Charles Taylor
           Charles McArthur Ghankay Taylor 28 de janeiro de 1948 é um líder liberiano que foi presidente da Libéria de 1997 a 2003. Era um líder militar proeminente na guerra civil liberiana da década de 1990, foi eleito presidente, e forçado a exilar-se.
Filho de Libero - Americanos, estudou nos Estados Unidos. Voltou à Libéria quando ocorreu o golpe de Estado por Samuel Kanyon Doe em 1980 que foi bem sucedido, e foi encarregado de controlar o orçamento de Estado. Todavia, desviou cerca de um milhão de dólares e, assim, Taylor regressou aos EUA, mesmo enfrentando um pedido de extradição do governo da Libéria.
Charles Taylor foi exilado para a Serra Leoa, depois de ter sido capturado na Nigéria, próximo de Camarões, onde se preparava para fugir com duas malas cheias de dólares e euros. O Tribunal Especial para a Serra Leoa foi criado para "julgar todos os que têm grande responsabilidade pelos crimes contra a Humanidade e de Guerra". Charles Taylor foi acusado por 17 crimes de guerra e contra a humanidade, incluindo aterrorizar a população, assassinatos ilegais, violência sexual e física, recrutamento forçado de crianças-soldado, sequestros (raptos), trabalho forçado, ataques ao pessoal da ONU, entre outros.
A transição de poder hereditária
  François Duvalier, mais conhecido como Papa Doc (Porto Príncipe, 14 de abril de 1907 - Porto Príncipe, 21 de abril de 1971, Haiti) foi um médico e ex-ditador do Haiti. Foi eleito presidente daquele país em 1957, onde instaurou um governo baseado no terror promovido pelos tontons macoutes (Bichos-papões) que pertenciam à sua guarda pessoal; e também na exploração do Vodu, uma prática mística muito popular no Haiti. Na década de 1960, Papa Doc exterminou suas oposições e desafetos e começou sua perseguição à igreja Católica, que perdurou até sua morte. Em 1964, quando reescreveu a constituição, decretou sua presidência vitalícia. Antes de chegar à presidência, em 1957, era tido na política como um sujeito passivo e brando, a tal ponto que os que lhe apelidaram com Papa Doc o fizeram porque notaram o quanto ele era afetivo ao cuidar de pacientes camponeses (como um papai doutor). Mas logo que assumiu o poder, para a surpresa de todos, logo se transformou num vingativo ditador e massacrou aqueles que poderiam tirá-lo de alguma forma de poder. A oposição que sobrou era nitidamente controlada por Papa Doc. Os editores dos principais jornais e donos de emissoras de rádio daquele país foram presos tão logo Doc assumiu o poder. Em dois anos de governo, conseguiu castrar completamente qualquer foco de oposição ou resistência provenientes da polícia e do exército, criando seu próprio exército, a guarda Draconiana.
Deu ordens para a produção regular de panfletos informativos, onde, dentre outras informações, designava-se deus. Expulsou todos os Bispos e outros representantes católicos do País, colocando em seus lugares aliados de seu governo, o que acabou gerando conflitos com o Vaticano. Ao morrer (em 1971) foi substituído por seu filho, Jean-Claude Duvalier, que recebeu a alcunha de Baby Doc.
AK-47
O fuzil AK-47 (Avtomat Kalashnikova - 47, fuzil automático Kalashnikov, modelo de 1947) surgiu na União Soviética logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, sendo o mais fabricado de todos os tempos. Estima-se que o número de exemplares produzidos tanto na Rússia como sob licença em países como a Bulgária, China, Hungria, Índia, Coréia do Norte, Romênia entre outros, chegue a impressionante cifra de 90 milhões. É caracterizado por sua grande rusticidade, facilidade de produção em massa, simplicidade de operação e manutenção, além de reconhecida estabilidade em baixas e altas temperaturas. Deixa a desejar nos requisitos precisão e ergonomia.
Seu funcionamento se dá de modo similar aos demais fuzis de assalto, pelo aproveitamento indireto dos gases que são desviados da parte posterior do cano até um cilindro montado acima deste, onde pressionam um êmbolo de longo curso que aciona o recuo do ferrolho de trancamento rotativo. O ferrolho desliza sobre dois trilhos na caixa da culatra com uma folga significativa entre as peças móveis e fixas, o que permite que opere como seu interior saturado de lama ou areia. Dispara munição 7,62 x 39 mm nos modos automático e semi-automático. Seu registro de tiro e segurança é considerado por muitos sua principal desvantagem. Não corrigida nos modelos posteriores. É lento e desconfortável, exige esforço extra para operar, especialmente com luvas, e quando acionado produz um "clique" alto e distinto. Outra desvantagem é a posição do ferrolho, que permanece fechado após o último tiro. Possuem baionetas destacáveis do tipo faca, que associada a sua bainha transforma-se numa tesoura de cortar arames.
Homem na Etiópia com AK-47      Bandeira de Moçambique com um AK-47.
Mikhail Kalashnikov, um jovem sargento das forças blindadas soviéticas, que após ser ferido em combate em 1942, concebeu um protótipo de pistola-metralhadora enquanto estava de licença médica. Sua primeira arma foi indeferida em razão da complexidade, no entanto ele foi designado ao órgão de investigação e desenvolvimento de armas leves do Exército Vermelho perto de Moscou, para continuar a sua educação e trabalho em outras armas. Aqui Kalashnikov projetou uma carabina semi-automática, fortemente influenciado pelo fuzil M1 Garand. Esta carabina, embora não tenha sido bem sucedida por si só, serviu como ponto de partida para seu primeiro fuzil de assalto, provisoriamente conhecido como AK No.1 ou AK-46. Em novembro de 1946, o projeto do AK-46 foi escolhido para a fabricação de protótipos, juntamente com 5 outros projetos (de 16 apresentados à comissão). Kalashnikov foi enviado para a cidade de Kovrov (também não muito longe de Moscou), para fabricar a arma numa pequena fábrica de armas ali existente. O AK-46 era operado a gás, com ferrolho rotativo que utilizava um pistão para aproveitamento indireto dos gases logo acima do cano, e controles duplo (segurança e chave seletora de fogo separados, no lado esquerdo da unidade de disparo ).
Em dezembro de 1946 novos fuzis foram testados, com AS-44 sendo usado como unidade de controle (embora seu desenvolvimento tenha cessado antes, em 1946, devido à morte prematura de Sudaev, que estava gravemente doente desde 1945). Como um primeiro resultado destes testes, o AK-46 foi selecionado para o desenvolvimento de ensaios de comissão, com outras duas armas dos designers e Dementiev e Bulkin. Na segunda fase de ensaios, que incluía três armas (AK-46 por Kalashnikov, AB-46 por Bulkin e AD por Dementiev), resultou na rejeição da AK-46 melhorada, que foi inferior aos outros em vários aspectos.  Apesar dessa falha, Kalashnikov, usando seus contatos e apoio de algum membro da comissão de estudos teve luz verde para continuar o seu desenvolvimento para a próxima rodada de testes. Após a falha técnica do AK-46, Kalashnikov decidiu reformular completamente a concepção, com o uso de soluções técnicas bem sucedidas emprestadas de várias armas, incluindo seus concorrentes diretos. Por exemplo, o pistão de gás a longo-curso ligado ao ferrolho rotativo, juntamente com a montagem de retorno por mola foram aparentemente inspirado pelo modelo AB Bulkin-46, a idéia de grandes distâncias entre o conjunto do ferrolho e as paredes da caixa da culatra, com atrito mínimo das superfícies, foi inspirado no Sudaev AS-44, a alavanca de segurança foi copiado do rifle de caça Remington modelo 8 projetado por Browning, etc… Essa cópia e empréstimo de idéias realmente foi incentivada pela Comissão, pois toda a propriedade intelectual na URSS era considerada propriedade do 'povo', ou do Estado. Assim, todas as empresas estatais poderiam utilizar-se das propriedades intelectuais existentes. E a criação de um novo fuzil de assalto mais eficaz para o vitorioso Exército Soviético estava certamente no topo da lista das prioridades.
O AK-47 foi concebido para ser o mais durável e confiável dos três concorrentes, porém perdia em precisão para os outros, especialmente no modo automático (que era, e ainda é considerado o principal modo de fogo na doutrina russa/soviética). Na verdade, a única arma que cumpriu os requisitos de precisão o AB Bulkin-47, mas teve alguns problemas com a durabilidade das peças.  Os modelos AK e AKM foram amplamente exportados para os países pró-soviético em todo o mundo. Licenças de fabricação e pacotes de dados técnicos foram transferidos para muitos países do Pacto de Varsóvia (Albânia, Bulgária, China, Alemanha Oriental, Hungria, Coréia do Norte, Polónia, Roménia, Iugoslávia). Países amigos, como o Egito, Finlândia e Iraque, também receberam licenças de fabricação. Atualmente, apesar da proliferação do calibre 5,56 / 5,45 mm, muitas empresas continuam a fabricar fuzis 7,62 mm para uso militar ou policial (por exemplo, há uma AK-103, feito em limitada números pelo IZHMASH na Rússia). Além disso, a produção das AKs semi-automáticas continua em muitos países, incluindo a Rússia, Bulgária, Romênia, China, entre outros. Tem alta reputação entre especialistas por sua resistência à água, areia e lama, bem como por sua manutenção simples. Em comparação a seu maior rival, o fuzil de fabricação norte-americana M16, o AK-47 tende a ser mais confiável e mais resistente aos elementos supracitados, também exigindo menos cuidados de limpeza e manutenção.
Já se comparado com fuzis modernos, sua fama é folclórica, visto que contém muitas partes móveis, prejudicando a precisão de disparo, é muito ruidosa (barulhenta), é muito pesada, em média, 4,3 kg (sem o carregador de munição, que pode conter 20, 30 ou 99 cartuchos), tem um raio de ação eficaz de apenas 300 m, bem abaixo dos fuzis modernos.
Soldados exibindo suas AKs.
Este rifle teve seu uso popularizado por muitas nações do bloco comunista na Guerra Fria, mas ainda é largamente utilizada em muitos países (principalmente aos que pertenceram ao pacto de Varsóvia e países do Oriente Médio), também pode ser encontrado em posse de grupos terroristas devido ao seu baixo preço e facilidade de aquisição no mercado negro. Apesar de muitos considerarem uma arma relativamente ultrapassada, ainda pode ser considerada ideal para troca de tiros intensa, e ainda é uma arma muito potente. A AK-47 é, segundo o Guiness , a arma de fogo atualmente mais utilizada no mundo.
A cavalgada das Valquírias
Cavalgada das Valquírias de Richard Wagner é provavelmente mais conhecida por seu uso no filme Apocalypse Now (1979) na cena em que um esquadrão de helicópteros atacam uma vila vietnamita. Desde então, tem sido usada em diversos filmes, jogos eletrônicos e comerciais. Exemplos de uso incluem Valkyrie (2009), Lord of War (2005), Casper (1995), (1963) e The Birth of a Nation (1915).
O fim da Guerra Fria
A Guerra Fria começou a esfriar durante a década de 1980. Em 1989, a queda do muro de Berlim foi o ato simbólico que decretou o encerramento de décadas de disputas econômicas, ideológicas e militares entre o bloco capitalista, comandado por Estados Unidos e o socialista, dirigido pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas USSS).
Podemos afirmar que a crise nos países socialistas funcionou como um catalisador do fim da Guerra Fria. Os países do bloco socialista, passavam por uma grave crise econômica na década de 1980. A falta de concorrência, os baixos salários e a falta de produtos causaram uma grave crise econômica. A falta de democracia também gerava uma grande insatisfação popular.
                No começo da década de 1990, o presidente da União Soviética Mikhail Gorbachev começou a implementar a Glasnost (reformas políticas priorizando a liberdade) e a Perestroika (reestruturação econômica). A União Soviética estava pronta para deixar o socialismo, ruma a economia de mercado capitalista, com mais abertura política e democrática. Na sequência, as diversas repúblicas que compunham a União Soviética foram retomando sua independência política.
Na década de 1990, sem a pressão soviética, os outros países socialistas (Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária, entre outros) também foram implementando mudanças políticas e econômica no sentido do retorno da democracia e engajamento na economia de mercado.
Portanto, a década de 1990 marcou o fim da Guerra Fria e também da divisão do mundo em dois blocos ideológicos. O temor de uma guerra nuclear e as disputas armamentistas e ideológicas também foram sepultadas. 
Lembre-se de algumas cenas
                Nada aparece em um filme por acaso. Assim como você faz escolhas na hora de se vestir, ou escolhe o melhor ângulo ou pose ao tirar uma foto, em um filme o diretor escolhe cuidadosamente cada elemento que compõe a imagem, o plano da cena. A cor de uma roupa, o lado em que cada personagem aparece, o quadro ao fundo e até o copo em cima do balcão. Todo elemento que compõe uma cena é cuidadosamente pensado para criar o efeito, o ambiente, o clima que se espera. Entendendo a narrativa cinematográfica dessa maneira, vamos retomar algumas cenas que foram debatidas:

O tapete de munição: O personagem principal interpretado por Nicolas Cage, Yuri Orlov, é apresentado pela primeira em um plano aberto, sozinho, sobre um chão totalmente coberto de cápsulas de munição já utilizadas. Ali ele inicia a narrativa do filme com o discurso: "Há mais de 550 milhões de armas de fogo em circulação no mundo. É uma arma para cada doze pessoas no planeta. A única questão é: Como armamos as outras onze?". A montagem dessa cena é explicada pelo diretor do filme como reprodução do cenário de uma fotografia realizada em uma cena real.

Sequência inicial: A sequência inicial do filme percorre a trajetória de uma munição, desde sua fabricação até a última consequência de seu uso. Nessa sequência é interssante observar o processo de fabricação, a linha de montagem em série e a aparente dissociação do operário com o resultado de seu trabalho, uma munição. Essa munição tem seu destino final na testa de um garoto. Uma sequência pertinente ao que será abordado ao longo do filme.
A estátua caída: Há uma cena que o personagem Yuri Orlov falando ao telefone celular, despretensiosamente senta-se em uma estátua que está tombada. É a estatua de Vladimir Lênin, um dos líderes da revolução russa que definiu o socialismo como forma política de governo daquele país, que posteriormente se estenderia para uma ampla área oriental de influência soviética. A cena se passa ao término da Guerra Fria e demonstra a queda do regime comunista. Em uma outra cena, em que é retirado um enorme símbolo comunista (foice e martelo) também demonstra o fim da Guerra Fria, ou ainda, a suposta derrocada do sistema comunista.
A arma/caixa-registradora: Em determinada passagem o personagem Yuri Orlov observa a utilização de um fuzil AK-47. Em câmera lenta o plano mostra os disparos e os cartuchos sendo deflagrados, um a um, mas ao invés do som violento de tiros, sob a perspectiva de Orlov, o ruído é o tilintar tipo de uma caixa registradora, entendendo que cada um daqueles tiros é mais lucro.
Arma do Rambo: O filho do ditador a quem Orlov negocia armas encomenda uma arma como a usada pelo personagem Rambo em um filme. Esse jovem está sempre acompanhado de duas garotas caracterizadas como team leaders (torcedoras) de um time de futebol americano. Fica evidente então a enorme influência da cultura popular norte-americana no mundo, alcançando até mesmo um país pobre e desigual que parece não estar inserido na conjuntura da globalização. Ainda nesse sentido, o ditador desse país, declara que a MTV (canal norte-americano que exibe clipes musicais) está acabando com os jovens.
A cruz/O chapéu: Logo no início do filme uma tomada aérea apresenta o personagem principal em um cais que tem o formato de uma cruz. O personagem encontra-se no meio da encruzilhada. É uma cena muito significativa que pode receber diversas representações. Desde o aspecto religioso à qual caminho seguir, por exemplo. Quanto ao aspecto religioso, o judaísmo é colocado no filme como argumento para a família refugiada da Ucrânia comunista receber asilo nos EUA. O pai de Orlov em uma cena revela que o quipá (chapéu característico dos judeus) serve para lembrar sempre que há algo acima de nós.
Gorbachev no Natal: Na celebração de Natal do ano de 1991 o então presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev apresentava sua renúncia e o fim daquela confederação de países comunistas. Em frente a televisão assistindo esse discurso, o personagem Orlov vibra muito idealizando a oferta de armamentos que se daria naquela região. Enquanto pensa dessa forma, Orlov se coloca a parte da família e deixa de presenciar momentos importantes de seu filho e esposa.
Compradores/Negócios: Entre os clientes do traficante de armas Yuri Orlov podemos identificar alguns dos conflitos mais destacados após a II Guerra Mundial. As constantes guerras envolvendo etnias diversas que compõe o quadro das nações africanas. Nações essas muitas vezes governada por ditadores representantes de uma etnia que subjuga outros grupos étnicos naquele território. Há também um cliente identificado como traficante de drogas no continente sul-americano (na Colômbia). Nos anos 80 e 90 a Colômbia abrigava poderosos cartéis de drogas que movimentavam grande parte da produção mundial. Há ainda o Afeganistão que se viu invadido e disputado por EUA e URSS e também nações dos Bálcãs em guerra após o fim da Guerra Fria, em disputas por independência que acarretaram a fragmentação da Iugoslávia. O traficante de armas cita ainda países como Libéria, Serra Leoa e Burquina-Faso como clientes.
As garotas no quarto: Na cena em que há duas garotas em um quarto a espera de Yuri Orlov fica claro a pandemia de AIDS que assola algumas regiões do continente africano. Além do grande número de portadores do HIV fica claro a falta de recursos para conter a disseminação do vírus, como a falta de camisinhas, por exemplo.
ONU/EUA: Em algumas passagens o filme critica a ONU como organismo internacional e os EUA como potência mundial. Além das críticas aos organismos e as relações de poder internacionais há ainda a cena final que evidencia a corrupção nas mais altas esferas de poder.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

FUVEST/ UNICAMP 2010– AULA DE LIVRO

FUVEST/ UNICAMP 2010– AULA DE LIVRO

A CIDADE E AS SERRAS
(Eça de Queirós)
Dados Biográficos:
Nascido em 1845, em Póvoa do Varzim, e morto em 1900, na cidade de Paris, Eça de Queirós formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra e participou ativamente do processo de criação do Realismo português. Além de suas obras programáticas sobre o novo estilo, como Prosas Bárbaras (folhetins reunidos em volume em 1905), fez parte do grupo “O Cenáculo” (1869) e, após uma viagem ao Egito, foi um dos membros responsáveis pelas “Conferências do Cassino Lisbonense” (1871).
Em Leiria, onde trabalhou como administrador do Conselho, preparando-se para a carreira diplomática, escreveu O Crime do Padre Amaro, obra que inaugura oficialmente o Realismo em Portugal.
Em 1873, tornou-se cônsul em Havana; do ano seguinte até 1878 viveu em Bristol (Inglaterra) e posteriormente mudou-se para Paris, conforme sempre sonhara. Lá se casou, pôde dedicar-se com grande intensidade à literatura e permaneceu até a vir a falecer.
Considerado um dos maiores prosadores em língua portuguesa, Eça de Queirós é o criador de uma vasta produção, que pode ser dividida em três fases. À primeira pertencem O Mistério da Estrada de Sintra (espécie de romance policial realizado em parceria com Ramalho Ortigão), As Farpas (colaborações num jornal satírico dirigido por Ramalho Ortigão, e mais tarde reunidas no título Uma Campanha Alegre) e Prosas Bárbaras. Influenciado, sobretudo pelo romancista Victor Hugo, Eça realiza nessa fase uma literatura impregnada de romantismo social.
A partir de O Crime do Padre Amaro (1875), inicia-se sua segunda fase, que conta com O Primo Basílio e Os Maias, os três “romances de tese” do escritor, isto é, romances que se propõem a realizar um “inquérito da vida portuguesa”, combatendo três de suas principais instituições — a Igreja, a Burguesia e a Monarquia — de acordo com os moldes positivistas de abordagem dos problemas sociais.
Mesmo nessa fase de adesão ao Naturalismo, e portanto de menor espaço de livre vôo da criação, o trabalho de Eça revela suas qualidades de escritor de grande densidade artística, seja na precisão de alguns dos retratos da sociedade portuguesa que lhe é contemporânea, seja na originalidade, na fluência, na naturalidade e no vigor narrativo de suas obras.
Segundo os críticos, elas possuem um talento raro para combinar a ironia e a sátira com certo lirismo melancólico, o que lhes dá graça e sutileza, apesar do tom caricato de que se revestem algumas passagens, por demais exemplares da hipocrisia social a ser denunciada.
A terceira fase de Eça de Queirós abrange romances como A Ilustre Casa de Ramires (1900), A Correspondência de Fradique Mendes (1900) e A Cidade e as Serras (1901). Nela, a crítica cáustica do Realismo deixa espaço para a meditação filosófica e esperançosa em valores humanos e espirituais.
Aqui Eça alcança a plena maturidade artística, com a superação do esquematismo cientificista e da ironia cética, para definitivamente se universalizar. Transforma-se, então, no verdadeiro “artesão” de uma prosa que, cada vez mais plástica, poética e indicadora de novos caminhos artísticos, faz dele um anunciador da modernidade literária e um dos maiores romancistas portugueses de todos os tempos.
Eça de Queirós é o representante máximo da prosa realista em Portugal. Foi o grande renovador do romance: abandonou os esquemas românticos e estabeleceu uma visão critica da realidade, fundada na estética realista-naturalista. Foi também o grande renovador do estilo de prosa em português: afastou-se decisivamente o estilo clássico (que perdurara na obra de diversos autores românticos) e deu à frase uma nova maleabilidade e fluência, simplificando a sintaxe e inovando audaciosamente na combinação das palavras. Evitou ao máximo a pompa, a retórica tradicional e os lugares comuns, criando novas formas de dizer, introduzindo neologismos e especialmente, utilizando o adjetivo de maneira inédita e surpreendentemente expressiva. Este estilo novo, que só teve antecessor no Almeida Garrett de Viagens na Minha Terra, valeu a Eça a acusação de galicismo (ou seja, de francesia), mas estabeleceu os fundamentos da prosa moderna da língua portuguesa.
Em sua evolução ideológica e artística, a obra de Eça de Queirós pode ser dividida em três fases:
A primeira fase, considerada preparatória, é sobretudo representada por artigos e crônicas publicados em jornal, entre 1866 e 1867, e reunidos depois da morte do autor no volume Prosa Bárbaras. Os textos dessa coletânea surpreendem pela novidade de tema e estilo, embora ainda não correspondam à grande personalidade artística que seu autor revelará depois. Elementos da fase final do Romantismo (imaginação desenfreada, satanismo, gosto do macabro) aparecem expressos com novidades de escrita, em frases de construção simples e direta que apresentam, especialmente, uso renovado e muito expressivo da adjetivação (o que será uma constante de toda a obra de Eça).
Na Segunda fase, vemos Eça praticando a ficção realista e desenvolvendo seu projeto de, através de romances, construir um quadro crítico amplo da sociedade portuguesa contemporânea. Esse período – o mais longo, produtivo e importante de sua obra – tem como realizações principais os romances o crime do Padre Amaro (1876), O Primo Basílio (1878) e Os Maias (1888). No primeiro desses livros, Eça representa a vida de uma cidade da província portuguesa (Leiria, onde, logo depois de formado, ele trabalhou por um tempo), com sua sociedade acanhada e hipócrita, sua religiosidade supersticiosa, seu relaxamento de costumes e, no meio de tudo isso, o poder e a corrupção do clero, ou seja, dos padres da Igreja Católica, que tiveram durante muito tempo influência decisiva e muito negativa sobre a sociedade portuguesa. O Primo Basílio transporta a ação para a Capital, Lisboa, e focaliza o ambiente da média burguesia, com seus tipos caricatos (Eça é um mestre admirável da arte da caricatura) e suas formas algo ridículas de sociabilidade. Nesse ambiente, relata-se um caso de adultério feminino, apresentado como conseqüência da frouxa educação de padrões românticos que se das às mulheres, assim como da vida ociosa e vazia a que eram entregues as jovens senhoras burguesas. Em Os Maias, com a ironia e os sarcasmos dos livros anteriores – ironia e sarcasmo que aqui atingem um dos pontos mais altos de sua obra, - Eça compõe um quadro da alta sociedade lisboeta, com seus ricaços, seus nobres, seus políticos e seus intelectuais a levar uma vida luxuosa e inconsistente. Também desta fase, que se pode chamar realista, são dois romances menores – O mandarim (1879) e A relíquia (1887), em que Eça mistura a sua veia cômica a grandes lances de imaginação e fantasia. Em todos esses livros, o que predomina e uma critica ampla e corrosiva da sociedade portuguesa, em seu atraso, sua pequenez, sua hipocrisia e sua corrupção. O programa literário de Eça tinha como objetivo denunciar as mazelas daquela sociedade esclerosada e, com isso, contribuir para sua reforma.
A terceira fase é considerada a época de “maturidade artística” do autor. Assiste-se nela a uma reconciliação de Eça com os valores tradicionais da sociedade portuguesa, tão criticados por ele nas obras da fase anterior. Agora, seus livros são marcados por ironia simpática, e não mais pela sátira feroz e destrutiva que é responsável por boa parte da força dos romances precedentes. A atitude pessimista é substituída por um pouco de otimismo e esperança. No plano do estilo, alguns maneirismos naturalistas são superados ou passam a ter presença bastante discreta na escrita do autor. Dentro dessa nova perspectiva, temos, em A ilustre Casa de Ramires (1900), a história de um fidalgo (representado com alguma comicidade bonachona) que se redime da vida insignificante que até então levara ao abraçar as virtudes ancestrais de sua antiquíssima família. O caráter português passa a ser visto por Eça como uma soma de qualidades e defeitos, com uma reserva ilimitada de energia regeneradora em meio à decadência que vivia o país. Essas qualidades e essa energia, Eça as encontra antes no campo que na cidade, como se verá da história de A Cidade e as Serras.
A CIDADE E AS SERRAS
a)      A cidade
O narrador do romance é José Fernandes. Amigo do protagonista, Jacinto, desde a época em que ambos eram estudantes em Paris. Em Paris, aliás, é que nasceu Jacinto. Mas, antes de entrarmos na história do “herói”. Somos conduzidos pelo Zé F s um Fernandes a um momento bem anterior, mais de trinta anos do nascimento de Jacinto, quando se dá a seguinte cena: um senhor muito gordo escorrega numa casca de laranja e cai na rua. Alguém que passava ajuda-o a levantar-se. Esse alguém era nada menos que o infante D. Miguel. O velho senhor gordíssimo, chamado Jacinto Galião, fica para sempre grato ao príncipe, a quem passa a dedicar um verdadeiro culto. Entusiasma-se quando ele se torna rei, oito anos depois, em 1828, mas fere-se irremediavelmente quando ele, depois de tentar liquidar por completo com as reformas liberais, é destronado por seu irmão, D. Pedro, o primeiro do Brasil, que seria o quarto de Portugal. Mandado ao exílio D. Miguel, o velho não se conformou, não pode mais ficar no país ingrato que exilava o seu rei, e partiu ele também para o exílio. Estabeleceu-se em Paris, onde comprou um palacete no número 202 da chiquíssima Avenida dos Campos Elíseos (Champs Elysées. No livro, quase todos os nomes franceses são aportuguesados). Lá se criou o seu filho, o Cintinho, que se tornou um moço enfermiço. Depois da morte do velho Jacinto, a viúva, Dona Angelina Fafes, continuou a viver em Paris, para não ter de enfrentar o desconforto da viagem de volta. Cintinho, cada vez mais adoentado, não quis ir tratar-se no campo; ficou em Paris para casar com a filha de um português. Quando ela teve o primeiro filho, Cintinho já morrera havia três meses.
Isso foi em 1852 e o filho, que também se chamou Jacinto, será a figura central da história.
(Note-se que, de maneira rápida e brincalhona, Eça segui o hábito realista-naturalista de apresentar o background, ou seja, o “pano de fundo”, o contexto da personagem. Ficamos conhecendo os antecedentes de jacinto, sua situação de classe, a origem, o nível intelectual e o fervor político de seu avô, a quase inexistência de seu pai, e nada de sua mãe – enfim, um quadro parcial da história recente de sua família. Estes, presumivelmente, serão dados importantes para depois compreendermos a personagem e sua história.)
Ao contrário do pai e do avô, Jacinto é um felizardo: sadio, belo, além de rico e integrado no lugar em que vive, Por isso, Zé Fernandes o chamava, na época de faculdade, de “Príncipe da Grã-Ventura”. Desde então ele era um entusiasta da Cidade, ou seja, de Paris. (Paris foi “a capital do século XIX”, algo como foi Nova York em tempos recentes). A cidade é para ele o ápice da civilização, do progresso, do refinamento artístico e intelectual.
Assim o narrador evoca esse período: Jacinto e eu, José Fernandes, ambos nos encontramos e acamaradamos [nos tornamos camaradas] em Paris, nas escolas de Bairro Latino, para onde me mandara meu bom tio Afonso Fernandes Lorena de Noronha e Sande, quando aqueles malvados me riscaram da Universidade por eu Ter esborrachado, numa tarde de procissão, na Sofia [lugar de Coimbra], a cara sórdida do Doutor Pais Pita.
Ora, nesse tempo Jacinto concebera uma idéia... Este Príncipe concebera a idéia de que “o homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado”. E por homem civilizado o meu camarada entendia aquele que, robustecendo a sua força pensante com todas as noções adquiridas desde Aristóteles, e multiplicando a potência corporal dos seus órgãos com todos os mecanismos inventados desde Terâmenes, criador da roda, se torna um magnífico Adão, quase onipotente, quase onisciente, e apto portanto a recolher dentro de uma sociedade e nos limites do progresso (tal como ele se comportava em 1875) todos os gozos e todos os proveitos que resultavam de saber e de poder... Pelo menos assim Jacinto formulava copiosamente a sua idéia, quando conversávamos de fins e destinos humanos, sorvendo bocks [cervejas escura] poeirentos, sob o toldo das cervejarias filosóficas no Boulevard Saint-Michel. (Cap. I.)
Um dos amigos – convencido, como os outros do grupo, de que “a felicidade dos indivíduos, como a das nações, se realiza pelo ilimitado desenvolvimento da mecânica e da erudição” – reduzira o pensamento de Jacinto à fórmula “suma ciência x suma potência = suma felicidade”. “E durante dias, do Odeon a Sorbona, foi louvada pela mocidade positiva a equação metafísica de Jacinto” (A “mocidade positiva” são os jovens contaminados pelas idéias filosóficas do positivismo, que valorizam supremamente a ciência e o progresso). Para Jacinto, porém, a sua teoria não é metafísica; na verdade é uma regra prática, pois ele vive de acordo com esse princípio.
Zé Fernandes, depois de passar 7 anos em Portugal, para cuidar das propriedades rurais de um tio doente (de hemorróidas: Eça não perde detalhes), retorna a Paris, encontra o “202” ( a casa de Jacinto na Avenida dos Campos Elíseos) transformado como que num mostruário gigantesco das novidades técnicas, as últimas palavras do progresso: um luxuoso elevador (para uma casa de dois pavimentos), com um divã e uma prateleira cheia de livros e charutos, para preencher os sete segundos entre um e outro andar; aparelhos para manter a temperatura ambiente em um ar agradável; perfumadores de ambientes; um conjunto fenomenal de luzes (a luz elétrica era novidade) que iluminava a imensa biblioteca, com mais de trinta mil volumes, telefone (outra novidade); relógios que marcavam a hora em todas as capitais do mundo e o curso de todos os planetas, aparelhos por meio dos quais ouvia conferências da universidade ( o conferençofone) ou peças que se representavam no teatro ( o teatrofone). Além disso, o narrador se depara um número enorme de engenhocas, pequenas e grandes, de cuja utilidade não consegue nem desconfiar. “A natureza convergia disciplinada ao serviço do meu amigo e entrara na sua domesticidade!...”
Jacinto, apesar de muito elegante, parece a Zé Fernandes algo abatido, sem a vivacidade que antes o caracterizava. Suas atitudes várias vezes revelam enfado, desinteresse. Assim ocorre, por exemplo, quando um daqueles aparelhos começam a fazer “tique-tique-tique açodado” e o narrador descobre tratar-se de um telégrafo a transmitir a notícia de que uma fragata russa entrara avariada no porto de Marselha. Ele pergunta ao amigo se o fato prejudica de alguma maneira seus interesses. Jacinto responde que não, que aquilo não lhe dizia respeito: “é uma notícia”. (O leitor começa a perceber que Jacinto embora se diga empolgado com todos aqueles produtos do progresso técnico, na verdade se entedia com eles).
Ao longo da narrativa, vão se acumulando os detalhes extravagantes e ridículos ligados as engenhocas e outros “produtos da civilização” de que se utiliza Jacinto. Seus exageros são impressionantes: para arrumar-se pela manhã ele dispõe de uma infinidade de escovas de cabelos de tipos diversos, variados instrumentos de banho, possibilidade de escolher a temperatura da água entre zero e cem graus, toalhas de diversos tecidos. Tudo isso torna a toilette matinal de Jacinto quase um suplício, dada a dificuldade das escolhas.
Sua vida cotidiana é cheia  de compromissos, chamadas ao telefone, ocupações incessantes. Tudo só lhe causa tédio, a expressão que mais brota de sua boca é “é uma seca!”, equivalente a “que chato!” Uma dessas intermináveis chateações que pontuam sua vida ocorre em decorrência de um pequeno acidente em seu banheiro, que ocasiona uma pequena queimadura em seu criado negro, o Grilo. A ocorrência foi noticiada no  Figaro (pronúncia: figarrô), o mais importante jornal parisiense de então, e causou celeuma entre os conhecidos de Jacinto: choveram telegramas e telefonemas sobre o fato. Madame de Oriol, figura da sociedade e amante de Jacinto, vem pessoalmente inspecionar o local:
É um momento nem se levantem! Passei, ia para a Madalena [Madaleine – pronúncia madalén(e) -, importante igreja de paris] não me contive, quis ver os estragos... uma inundação em Paris, nos Campos Elíseos! Não há senão este Jacinto! E vem no Figaro! E que eu estava assustada, quando telefonei! Imaginem! Água a ferver, como no Vesúvio... Mas é de uma novidade! E os estofos perdidos, naturalmente, os tapetes... Estou morrendo por admirar as ruínas! (cap.III)
Toda essa frivolidade faz mal aos nervos de Jacinto, mas ele vive no meio dela. Além da relação com Madame Oriol, que é uma respeitável senhora casada, Jacinto tem uma cocotte, mas de um verdadeiro condomínio formado por sete cavalheiros da alta sociedade de Paris. Jacinto explica ao estupefato Zé Fernandes que não sustenta a cocotte sozinho porque os gastos são altíssimos: “nesta tremenda carestia de Paris, uma cocotte com os seus vestidos, os seus diamantes, os seus cavalos, os seus lacaios [empregados], os seus camarotes [no teatro], as suas festas, o seu palacete, a sua publicidade, a sua insolência” só pode ser mantida por “um sindicato” de homens ricos. Jacinto paga, apenas, mas não desfruta dos favores da cocotte, nem se interessa por eles. Ele paga “meramente por civismo, para dotar a cidade com uma cocotte monumental”.
No capítulo IV, Jacinto organiza um jantar no 202, em homenagem ao Grã-Duque Casimiro. El já antecipa ao narrador que será “uma maçada amarga”. A festa procedida por um susto: apagam-se todas as luzes do 202 em conseqüência de uma passageira interrupção no fornecimento de energia elétrica. A luz volta, mas Zé Fernandes, precavido, guardo no bolso dois tocos de vela, para o caso de que “falhassem perfidamente as forças bisonhas [ineptas] da civilização”. No jantar, circulam algumas figuras típicas das altas rodas parisienses: a Condessa de Trèves, que sorri e elogia a todos (“toda ela era uma sublime falsidade”), acompanhada do marido, o Conde de Trèves, e do amante, o “terrível banqueiro judeu” Davi Efraim, que tentam envolver Jacinto num negócio de esmeraldas; o historiador Danjon, da Academia Francesa; Antônio de Todelles, “moço já calvo, de infinitas prendas, que [...] imitava cantores de café-concerto, temperava saladas raras, conhecia todos os enredos [fofocas] de Paris” (Madame de Todelles não tinha vindo porque esfolara uma perna ao cair do velocípede); Madame de Oriol, Madame de Verghane e a Princesa De Carman, que rivalizavam em elegância; “o grande Dornan”, “poeta neoplatônico e místico”, um “psicólogo feminista”, autor das obras Coração triplo e Couraça, que se penitencia amargamente de um erro indesculpável em seu livro, apontado pelo Duque de Marizac: vestira uma condessa elegante com um colete de cetim preto!...
O grão-duque enviara especialmente para a ocasião um peixe pescado na Dalmácia. Na hora do jantar, o peixe cuidadosamente preparado segundo uma receita também enviado pelo grão-duque, não pode ser comido: encrencou no meio do caminho o elevador que o trazia da cozinha para a sala. Há uma cena ridícula em que todos os convidados vão paa cozinha assistir as tentativas do grão-duque de “pescar” o peixe através do poço do elevador, usando um gancho que uma das senhoras presentes gentilmente tirou de sua roupa. Inútil: todos acabam tendo que se resignar ao jantar sem o peixe.
Neste mesmo capítulo IV relata um acontecimento em que se revelará decisivo no transcurso da história: sua propriedade de Tormes tinha sido afetado por uma tempestade violenta que fizera desabar uma igrejinha rústica do século XVI, onde jaziam sepultados os avós de Jacinto desde os tempos de El-Rei D. Manuel”. Jacinto se impressiona muito com o fato, passa a noite a interrogar Zé Fernandes sobre Tormes e telegrafa ao caseiro mandando reconstruir tudo, sem levar em conta os gastos.
Abalado com os fiascos tecnológicos que vinham ocorrendo, Jacinto resolveu promover grandes reformas no equipamento do 202. a casa se enche de pedreiros, há pó por todo lado, e novos aparelhos aparecem, como o arrancador automático de pés de morangos, um misturador de saladas (que não funciona bem e acaba esguichando vinagre nos olhos de Jacinto), um abotoador de ceroulas... Jacinto também providencia ampliação da biblioteca, e milhares de novos livros são trazidos à casa já cheia deles. Uma noite, Zé Fernandes, chocando-se com livros por toda a parte – imensos volumes em luxuosas encadernações – tem um pesadelo e que vê Deus sorrindo, a ler um livro de Voltaire – (grande escritor e pensador francês do século XVIII) numa brochura barata!
Nessa época, Zé Fernandes tem um caso selvagem com uma prostituta barata, Madame Colombe. É como se ele se entregasse, de maneira incontida, aos instintos básicos da natureza, para compensar o artificialismo sufocante que o cercava no 202. quando ela o abandona, ele, desesperado, afoga as mágoas numa violenta bebedeira.
Zé Fernandes, depois dessa tormenta, reencontra Jacinto entediado como sempre. Segundo o diagnóstico do Grilo “Sua excelência sofre de fartura”.
Apesar do imenso calor do mês de Julho, Jacinto não consegue nem pensar em deixar a cidade, apesar dos convites e conselhos do narrador. Uma tarde, porém, em que se achava sem o que fazer, Jacinto aceita a sugestão de Zé Fernandes e vai com ele a uma região mais afastada da cidade (o alto de Montmartre). A despeito de no começo declarar que aquilo era “uma seca”, acaba sentindo o encanto daquelas ruas modestas, com casas toscas de muros velhos, pessoas simples às portas, animais soltos, roupas secando ao sol. Do alto da colina, contemplando a cidade, Zé Fernandes faz considerações irônicas sobre as edificações que eles vêem ao longe, e contrapõe a grandeza natural à inconsistência daquele mundo construído pela vaidade humana. Jacinto afinal admite que isso possa ser verdade.
“- Sim, com efeito, a cidade... é talvez uma ilusão perversa!
Zé Fernandes aproveita seu acesso de eloqüência e o estado de espírito de Jacinto e inicia um entusiasmado discurso de fundo ideológico. Fala dos miseráveis, que passam fome, enquanto eles saboreiam “sobre pratos de saxe, morangos gelados em champagne e avivados de um fio de éter!” Jacinto sente-se culpado.
Adiante encontram um velho amigo de Jacinto, Maurício de Mayolle, que desencantado com os modismos intelectuais parisienses, mudara-se para aquela região. Ele enumera um impressionante número de modas, de ondas culturais que tinham empolgado as pessoas nos últimos tempos, uma onda se sucedendo à outra, sem descanso: wagnerismo, pré-rafaelismo, renenismo, culto do eu, hartimannismo, nietzschianismo, feudalismo espiritual, tolstoismo, hookianismo. Maurício agora, longe de tudo isso, seguia um mestre místico “um homem de gênio que percorreu toda índia...”. Jacinto depois comenta com Zé Fernandes:
- O desenvolvimento supremo da vontade!...Teosofia, budismo exotérico... aspirações, decepções... já experimentei... uma maçada!
Jacinto começa a levar Zé Fernandes para as suas costumeiras visitas vespertinas à Madame de Oriol, mulher cuja ciência consistia toda em embelezar seu lindo corpo e que, segundo o narrador,
“Arranjara no cérebro “onde decerto penetrara o pó de arroz que desde o colégio acamava na testa” algumas idéias gerais. Em política era pelos príncipes; e todos os outros “horrores”, à República, o socialismo, a democracia que não se lava, o sacudia risonhamente com um bater de leque. Na semana santa juntava as rendas do chapéu à coroa amarga dos espinhos por serem esses, para a gente bem-nascida, dias de penitência e dor. E diante do todo o livro ou de todo o quadro, sentia a emoção e formulava finamente o juízo que no seu mundo, e nessa semana fosse elegante formular e servir.”
Zé Fernandes parte para uma viagem, longamente preparada e adiada, por várias cidades da Europa. E conta-nos o lufa-lufa da viagem: trinta e quatro vezes fez e desfez as malas; onze vezes passou o dia num vagão de trem, com todos os desconfortos; quatorze vezes subiu, esfalfado, as escadarias desconhecidas de um novo hotel e se instalou num quarto desconhecido; oito vezes teve brigas com cocheiros que o queriam explorar; perdeu chapéus, lenços, ceroulas, botas... Visitou dezenas de igrejas e museus, enfrentou por mau tempo, comeu e bebeu mal, e gastou uma fortuna.
De volta ao 202, o narrador fica sabendo pelo Grilo que Jacinto está mais e mais entediado e desanimado. Reencontrando-o, Zé Fernandes se impressiona com o abatimento e o ar pouco sadio do amigo. Agora, Jacinto só lê obras que são monumentos de pessimismo: o Eclesiastes e Schopenhauer. Não vai mais a festas, não participa mais das “ondas” parisienses. Move-se lentamente, exibe um mortal desinteresse por tudo e não consegue nem animar-se um pouco com muitos cumprimentos que recebe no dia em que completa trinta e quatro anos.
Mesmo as leituras agora não chegam a interessa-lo: uma noite, morrendo de tédio, depois de procurar em vão entre os seus milhares de livros alguma para ler antes de dormir, acaba recorrendo a um monte de jornais amarrotados, de onde “ergueu melancolicamente um velho Diário de Notícias, e com ele debaixo do braço subiu ao seu quarto, para dormir, para esquecer”.
Uma manhã de inverno, o narrador, ainda na cama, é surpreendido pela entrada de Jacinto, que “parou lentamente à beira dos colchões, e, com gravidade, como se anunciasse o seu casamento ou a sua morte, deixou desabar sobre mim esta declaração formidável:
-Zé Fernandes, vou partir para Tormes.
Zé Fernandes se espanta imensamente. Fica sabendo que o motivo que levou Jacinto à grave decisão de afastar-se da civilização e ir embrenhar-se no interior inculto de Portugal foi o desejo de estar presente à transladação dos ossos de seus antepassados, agora que a capela de sua quinta em tormes tinha sido reconstruída.
Jacinto convida Zé Fernandes para o acompanhar na viagem. O amigo argumenta que a casa de tormes está em más condições, habitada só pelos criados. Jacinto decide providenciar algumas reformas na casa, já que sua viagem está marcada para dali alguns meses. Planeja também equipar um pouco a sua propriedade na serra:
Mando daqui de Paris tapetes e camas... um estofador de Lisboa vai depois forrar e disfarçar algum buraco... levamos livros, uma máquina de fabricar gelo... e é mesmo uma ocasião de por enfim numa das minha casas de Portugal alguma decência e ordem. Pois não achas?
Enquanto Jacinto contempla alguns retratos que Zé Fernandes tinha consigo no quarto, este repara no abatimento físico do amigo, que lhe parece “tão corcovado, tão minguado, como gasto por uma lima que desde muito o andasse fundamente limando”. Subitamente Jacinto ergue uma das fotografia e pergunta ao narrador:
- ó Zé Fernandes, quem é essa lavadeirona tão rechonchuda?
Era Joaninha, prima de Zé Fernandes...
A viagem a Tormes movimenta de alto a baixo o 202: os empregados se ocupam em encaixotar e despachar tudo o que fosse necessário para diminuir o desconforto que Jacinto enfrentaria nas serras portuguesas:
Camas de pena, banheiras de níquel, lâmpadas Carcel, divãs profundos, cortinas para vedar as gregas rudes, tapetes para amaciar os soalhos broncos. De todos os armazéns de Paris chegavam a cada manhã fardos, caixas, temerosos embrulhos (...) O cozinheiro, esbaforido, organizava remessas de fornalhas, geleiras, bocais de trufas, latas de conservas, bojudas garrafas de águas minerais. Jacinto, lembrando as trovoadas da serra, comprou um imenso pára-raios.
Entusiasmado com o espetáculo de todos aqueles preparativos, Jacinto comenta com o narrador:
Vê tu, Zé Fernandes, que facilidade!... Saímos do 202, chegamos à serra, encontramos o 202. não há senão Paris.
Depois de toda essa correria, depois que a última caixa é enviada a Portugal através da Companhia dos Transportes, Jacinto entrega-se de novo ao tédio, ao desânimo, voltando a apalpar os ossos do rosto (“apalpar a caveira”), num gesto que lhe era habitual.
Na véspera da partida, num passeio de despedida em Paris, Jacinto, diante do Arco do triunfo, murmura:
-É muito grave deixar a Europa!
(É de notar que, aqui, uma ironia amarga é dirigida a Portugal, que, na visão de Jacinto -, e nesse caso, também visão de Eça – era tão atrasado que nem mais fazia parte da Europa.)
a)      O Campo
Na viagem, tudo sai diferente do planejado: as malas se perdem, o Grilo fica para trás numa das paradas do trem, nada sobra além das roupas do corpo. Ao acordar pela primeira vez em Portugal, depois de passar a noite dormindo sentado, sem coberta, apenas com os pés enrolados no paletó de Zé fernandes, Jacinto tem sua primeira impressão do país:
- Então Portugal hein. Cheira bem.
Pela primeira vez nos últimos tempos Jacinto sente fome e come com gosto.
Diversas vezes ele se encanta com o que vai vendo no país, que era o seu e que ele nunca visitara. Mas, ao chegar a Tormes, tem uma grande decepção: ninguém o espera na estação (seu administrador e seu caseiro estavam fora da propriedade há meses); ele tem de se dirigir à casa no lombo de um animal emprestado. Na casa, as obras estavam inacabadas e andavam muito lentamente; tudo estava em más condições, nada tinha sido preparado para o receber. Quanto aos caixotes, eles simplesmente não tinham chegado. Jacinto fica aterrado com “aquele brusco desaparecimento de toda a civilização!”
O jantar simples e abundante que foi servido recebeu muitos elogios dos amigos e foi deliciosamente degustado por Jacinto. Depois da dura viagem, o sono foi muito reparador, apesar de as camas terem sido improvisadas no chão de pedra. Zé Fernandes, no dia seguinte, ruma para sua quinta, em Guiães, de onde fica de enviar roupas, objetos de toillete e livros para Jacinto.
Em guiães, zé fernandes recebe, na semana seguinte, as bagagens que se tinham extraviado. Telegrafa para Lisboa, onde Jacinto disse que iria, mas não o encontra lá. Depois de quatro semanas, fica sabendo que o amigo não saiu de tormes, e vai para lá. Encontra um outro Jacinto, com disposição e cores devidas à comida e ao ar serrano. Tinha descoberto as maravilhas da natureza e da vida simples do campo.
Jacinto agora tece elogios ardorosos à natureza e à vida rústica, maravilha-se com a paisagem e a celebra em discursos empolgados. Zé Fernandes – sempre mais realista, mais terra-a-terra – observa que Jacinto está manifestando pelo campo o mesmo tipo de entusiasmo que antes dirigia à cidade. Esse seu entusiasmo o faz ir alongando sua permanência em Tormes, de início planejada  para pouco tempo, apenas até a inauguração da nova capela e o translado para ela dos restos mortais de seus antepassados.
O projeto inicial de Jacinto é transformar siua quinta numa propriedade moderna, com organização eficiente do trabalho. Silvério, o administrador da propriedade, argumenta que tudo isso será enormemente custoso e resultará em prejuízo. Segundo ele, o investimento seria mais compensador se feito em outras terras melhores que Jacinto possuía em Portugal. Mas Jacinto está fascinado “pela sua rude serra”, e nela havia lançado “rijas e amorosas raízes”.
E depois, o que o prendia à serra era o ter nela encontrado o que na cidade, apesar da sua sociabilidade, não encontrara nunca, - dias tão cheios, tão deliciosamente ocupados, de um tão saboroso interesse, quie sempre penetrava neles, como numa festa ou numa glória.
As reformas desejadas por Jacinto nunca começam, em razão da oposição benévola de Silvério, que, por um outro motivo, vai adiando o início das obras. Não obstante, a vida do senhor de Tormes é agora cada vez mais absorvida pelos trabalhos e prazeres do campo. Um dia, choca-se com a miséria em que encontra alguns dos empregados de sua propriedade. Despertada sua consciência social, começa a ordenar providências para minorar a precariedade da vida de seus empregados e promover alguma justiça. Manda construir novas e melhores casas, aumenta os salários, planeja a instalação de uma escola, uma creche, uma biblioteca e uma farmácia para atender toda a região. Todos no lugar o adoram e há mesmo quem diga que ele era D. Sebastião que voltava a Portugal.
No aniversário de Zé Fernandes Jacinto vai a Guiães. Lá, conhece muitas pessoas da região, que manifestam uma respeitável distância e alguma prevenção em relação a ele. O motivo é que há pessoas que desconfiam que Jacinto voltara a Portugal como agente do absolutismo, tramando para colocar no trono o filho de D. Miguel, que estaria em companhia dele disfarçado de empregado. Mas, longe de ser miguelista, Jacinto se dizia socialista. A tia de Zé Fernandes, Vicência, não entende o que seja socialismo, e Zé Fernandes lhe explica que socialista é “ser pelos pobres”.
Em Guiães Jacinto conhece Joaninha, aquela prima de Zé Fernandes cujo retrato parecera a Jacinto o de uma camponesona gorducha. Mas ele descobre que se trata de uma moça muito diferente do que ele pensava, com a beleza e o frescor que o encantam em diversas moças do lugar. Apaixona-se por ela e logo os dois se casam. Os filhos que tiveram, Terezinha e Jacintinho, fizeram de Jacinto um pai de família muito consciente de suas responsabilidades, muito distante das extravagâncias de antes, muito seriamente preocupado com a boa gestão de seu patrimônio. Seu interesse pelos assuntos rurais é responsável pela prosperidade que conhecem não apenas as suas terras, mas as de toda região.
Agora Jacinto pensa em conseguir um meio termo equilibrado entre o campo e a cidade. As caixas que enviara de Paris – e que, por engano, a companhia transportadora tinha enviado para a cidade de Alba de Tormes, na Espanha – são finalmente trazidas para Tormes, mas muito do que nelas vinha é guardado no sótão. Algumas coisas, porém, são aproveitadas para o conforto da casa, sem que esta perca a sua simplicidade. Telefones são instalados na sua casa, na do médico, na de seu sogro e na de Zé Fernandes. Este teme que Jacinto volte à mania de progresso técnico que o vitimava em Paris, mas na verdade, agora, ele sabe discernir o que é útil e conveniente, rejeitando o resto.
Jacinto pensava em levar a família para conhecer Paris, mas nunca se animava a empreender a viagem. Zé Frenandes acaba indo sozinho para a cidade e lá encontra diversas pessoas do círculo de Jacinto e se espanta com a mesmice em que se encontra tudo. Vive dias de tédio na cidade, como ocorria antes com Jacinto.
Zé Fernandes vai a um teatro de variedades ver uma peça que o grão-duque lhe aconselhara. Espanta-se coma vulgaridade, com a exploração barata do sexo, com a falta de graça. Vai visitar a escola em que estudara na juventude. Choca-se com a brutalidade dos alunos e a tolerância dos professores. Ofendido por um estudante, esmurra-o e decide abandonar de vez a cidade.
De volta, Jacinto e a família o esperam na estação. Traz-lhes presentes, elogia a beleza de Joaninha e fala mal de Paris. Depois, dirigem-se todos alegremente para o solar de Tormes, que o narrador agora chama de “O castelo da grã-ventura”

ANÁLISE DA OBRA
Publicado em 1901, no ano seguinte da morte de Eça, o seu último romance, A cidade e as Serras, não se pode considerar uma obra inteiramente acabada, pois não foi submetida à revisão final – que o aujtor chamava de “operação pente fino” -, importante para garantir as sutilezas de seu estilo. Não obstante, há críticos que concedem grande importância ao livro, e tomam-no como realização capital da última fase da produção do autor.
Como vimos, depois do período inicial, em que produziu textos cheios de fantasia romântica, podem-se distinguir claramente duas fases na obra de Eça. Recapitulemos: em sua segunda fase, ele traça um grande quadro da sociedade portuguesa, em romances realistas que, com crítica contundente vazada em sátira divertida e impiedosa, representam seja a vida da província (O Crime do Padre Amaro), seja o mundo Lisboa, em suas classes médias (O Primo Basílio) e alta (Os Maias). Na terceira fase, o escritor abranda sua atitude crítica diante de Portugal, abandona o negativismo da fase anterior, e cria histórias em que ocorre um reencontro com as forças positivas do país – seja as forças provindas do passado glorioso (A Ilustre Casa de Ramires), seja as forças encontráveis no presente, na vida das pessoas simples e vigorosas que habitam os campos e as serras de Portugal (A Cidade e as Serras).
Cidade versus campo: essa oposição, que aparece em variadas situações ao longo da obra de Eça (como demonstrou o crítico Antonio Candido), constitui o centro do Romance. Resumamos, agora, o resumo que vimos: Jacinto, herdeiro de grande propriedade nas serras de Tormes, vive ricamente em paris, a capital do mundo naquela época (segunda metade do século XIX). Ele venera o progresso, cerca-se de toadas as novidades produzidas pelo avanço da técnica, e se empolga com a exitação da vida urbana tanto quanto abomina as limitações e o atraso da vida no campo. Mas acaba por entediar-se, fica fraco, adoece. Seu amigo José Fernandes (o narrador do romance) tenta convence-lo, em vão, a ir recompor suas forças no contacto com a natureza. Um acontecimento ligado aos túmulos de seus antepassados serve de pretexto para que Jacinto se dirija de volta a Portugal e a sua região de origem. Quando da viagem, lamenta ter “deixar a Europa” (esta talvez seja a maior ironia dirigida a Portugal nesta livro), mas, em antes desprezava. Agora, lê muda inteiramente de atitude, e seu horror se volta todo para a cidade, com sua artificialidade doentia, seus excessos, sua falsidade.
      A primeira parte do livro, passada em Paris, ainda conserva algumas das características mais marcantes da sátira de Eça de Queirós, com seus tipos caricatos e situações de grande comicidade (várias já presentes no conto “Civilização”, de que este romance constitui um desenvolvimento). Na  segunda parte, o tom muda bastante: a critica zombeteira e caustica é substituída por compreensão simpática, que as vezez chega a exaltação, as notações caricaturais dão lugar as longas descrições comovidas, o olhar maliciosa transforma-se em gesto de ternura. Enfim- e isto é motivo de contentamento para os admiradores nacionalistas de A Cidade e as Serra, _ Eça o irônico e terrível demolidor da vida de sue país, confiante não só na força de seu passado grandioso, mas também nas virtudes de seu presente alheio a marcha da história e às novidades do progresso.
      A oposição cidade-campo é tradicional na literatura, tendo produzido um importante gênero poético, o gênero bucólico, cultivado por grandes autores de várias épocas, desde a Antiguidade. Embora o livro Eça de Queirós se mostre esquemático e simplório no tratamento tanto no tema da civilização quanto do tema bucólico, é verdade que, hoje, é possível lê-lo com outros olhos. Na primeira parte, a critica a civilização ganhou um ingrediente inesperado de comicidade justamente porque várias das fantásticas novidades do progresso ali satirizadas converteram-se ou em velharia datadas, ou em banalidades absolutamente integrados à vida cotidiana. Quanto a segunda parte, o ecologismo de nossos dias pode ver nela uma antecipação da atitude corrente da valorização da natureza – antecipação expresse nem verdadeiro manifesto ecológico, que exalta o campo, sede das fontes da vida, em detrimento da cidade artificial e nociva. (note-se que essa valorização do campo contra a cidade, embora já se achasse presente no mencionado gênero bucólico de poesia, era inteiramente estranha ao universo do romance realista-naturalista, que se caracterizava por ser urbano e progressista.)
Um outro aspecto do esquematismo da obra diz respeito à composição da narrativa e das personagens. Álvaro Lins, em História Literária de Eça de Queirós, considera que o texto tem mais de ensaio (isto é, discussão de um assunto, dissertação) do que de romance (ou seja, narração), pois “o enredo não existe e as figuras são de uma extrema miséria de vida”. Por isso, o critico sugere – certamente em exagero – que a supressão de todas as personagens “não alteraria o sentido do livro nem o modificaria substancialmente”.
Mas não é só para os nacionalistas portugueses, ou para os detratores da Cidade e entusiastas do Campo, que A Cidade e As Serras oferece atrativos. Junto com o humor da primeira parte e as descrições encantadas da segunda, o livro apresenta várias das virtudes do estilo encantador de Eça – e isso apesar de, também nesse ponto, ter havido perda de qualidade, que não se pode explicar apenas pelo fato de o texto não ter recebido ou mencionado “pente fino” do exigente autor. E inegável que essa continua sendo aqui um mago da combinação de palavras virtuose na manipulação do adjetivo e do advérbio , na associação de verbos abstratos com sujeitos concretos e vice-versa, na musicalidade da frase, na elegância econômica da sintaxe simples. Exemplos de alguns desses traços de estilos:
·         Hipálage ou deslocamento do adjetivo do termo próprio para outro termo próximo: “fila atroante do ônibus” (em vez do mais comum e banal “fila dos ônibus atroantes”); “puída tristeza do tapete” (em vez do esperado e muito menos expressivo “tristeza do tapete puído”); “cervejarias filosóficas” (em vez da expressão sem novidade “cervejarias em que há muita conversa filosófica” ); “a erudita nave da biblioteca” (em vez do inexpressivo “nave da biblioteca erudita”); “só o poeta idealista permanecera impassível na sua majestade obesa” (em vez de “poeta obeso”, com perda quase total do ridículo da descrição);
·         Adjetivo abstrato aplicado a um substantivo concreto ou vice-versa (o que pode ocorrer na hipálage, mas não só nela): “silêncio Enrugado”, “elogios finamente torneados”, “lisonjazinha [=elogiozinho] redondinha e lustrosa”, “nariz agudo e triste”;
·         Adjetivos descritivos irônicos, às vezes em oxímoros ( ou seja, antíteses em que  um termo nega ou contradiz o outro), utilizados para denunciar um comportamento encoberto da personagem: “atribuía a Jacinto, com astuta candura, todas aquelas invenções do Saber” (onde astuta [=esperta] nega  a sinceridade da candura [=ingenuidade]); “ela mostrava seu lindo espanto” onde lindo indica o espanto afetado, fingido, utilizado como meio de fazer charme). Há vezes em que o oxímoro não é irônico, mas corresponde apenas a um acréscimo bastante forte de expressividade à descrição: “dias de sublime sordidez”. Outras vezes, o adjetivo irônico, independente de oxímoro, articula-se com outro adjetivo, ou com o verbo, ou com um advérbio, ou com todos os três (como no exemplo seguinte), para reforço do efeito cômico: “o grande Dornan mamava majestosamente um imenso charuto”. Outras vezes ainda, o oxímoro se forma com um advérbio, que nega ironicamente a descrição contida no adjetivo: “essa é bonita... Mas, menino, que horrivelmente bem falante, Fala como as heroínas de Camilo”;
·         Associação de objetivo e subjetivo: “inverno escuro e pessimista”, pensativo crepúsculo de outono”, “o sol e a eletricidade vertiam luz estudiosa e calma”, “como chovia sombriamente nos arredamos do 202” (observa-se,por exemplo, que neste último caso não é a chuva, o fato objetivo, que é “sombria”, mas sim o estado de espírito em que ela põe as personagens);
·         Transformação do adjetivo em advérbio: “então o meu Príncipe, forçando palidamente o sorriso...” (aqui, o efeito se aproxima da hipálage, pois o advérbio se refere ao verbo, quando oque se sperava era um adjetivo que se referisse ao substantivo: “sorriso pálido” ; mas a transposição produzida pelo escritor é muito mais cheia de sentido, e diz algo que a expressão “normal” não diria); “velhos gordos. De casaco escarlate, pedalavam gordamente” (aqui, o advérbio em que se transformou o adjetivo não o sustitui, mas o reforça, com grande acréscimo o efeito cômico);
·         Emprego metafórico do advérbio: “outra portentosa rima [=fileira] de volumes... que trepavam montanhosamente ate aos últimos vidros” ( o advérbio neológico – criado por Eça – funciona como uma metáfora ou comparação: “trepavam como montanhas”)
Esses exemplos são alguns poucos dentre os muitos  que aponta a analisa Ernesto Guerra da Cal, em Língua e Estilo de Eça de Queirós. A ele poderiam juntar-se também exemplos referentes a outros aspectos de engenho estilístico do grande escritor ( a melodia da frase, o emprego de recursos poéticos, o uso do discurso indireto livre, etc). mas o que se apresentou basta para dar uma idéia das belezas reservadas para o leitor que se aproxime da obra com atenção. inteligência e alguma tolerância .

EXERCÍCIOS                      
1)      Assinale a alternativa incorreta a respeito do romance “A Cidade e as Serras” de Eça de Queirós.
a)      Todo o romance obedece a um esquema em que se opõem civilização artificial, inútil e até nociva e Natureza benéfica e revigorante.
b)      Personagem central, Jacinto, no início do romance revela seu amor pelos engenhos, pelas máquinas.
c)      Zé Fernandes, narrador do livro chamava Jacinto frequentemente de “Meu príncipe” porque se coloca numa posição de seguidor, de escudeiro do amigo “fidalgo”.
d)     É narrado em primeira pessoa por Jacinto, fidalgo que descobre no fim do romance as belezas do ambiente rural
e)      Se passa predominantemente em Paris, Tormes e Guiães, sendo Paris o que representa “A Cidade” e Tormes o equivalente às “Serras”.

2)      No capítulo XVI, um estudante na faculdade insulta Zé Fernandes, que lhe desfere um soco. Que sentido isso tem na narrativa e que outro elemento de grande atualidade se pode ali notar?

3)      Em que sentido a visão de Natureza se assemelha à concepção de Alberto Caeiro, em que ela se diferencia da obra do poeta?

4)      Como se pode entender o socialismo de Jacinto que é um aristocrata?