segunda-feira, 4 de outubro de 2010

FUVEST/ UNICAMP 2010– AULA DE LIVRO

FUVEST/ UNICAMP 2010– AULA DE LIVRO

MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS
(Manuel Antônio de Almeida)

Dados Biográficos:

Manuel Antônio de Almeida nasceu no Rio de Janeiro no ano de 1831, filho de um modesto casal de portugueses, e morreu em 28 de novembro de 1861, no naufrágio do vapor “Hermes” no litoral norte fluminense, quando ia fazer a reportagem da festa de inauguração do canal de Campos a Macaé.
Estudou com dificuldade, tendo cursado pouco tempo a Escola de Belas Artes. Formado em Medicina em 1855, nunca exerceu a profissão; foi desde cedo jornalista, depois funcionário público, freqüentando as rodas literárias, nas quais era estimado. O doutor Maneco, como era conhecido, ocupou cargos de administrador da Tipografia Nacional, oficial da Secretaria do Ministério da Fazenda. Foi também um dos diretores da Academia Imperial de Música e Opera Nacional.
Em 1857 é nomeado diretor da Tipografia Nacional, sendo famoso o episódio em que deu emprego e orientou um menino pobre e mestiço chamado Machado de Assis. O seu caso é interessante, por não corresponder ao tipo médio de escritor do tempo:
Escreveu pouco, não seguiu as modas, fez traduções e parece não ter ambicionado particularmente à glória literária. Seu único livro original, Memórias de um Sargento de Milícias, foi publicado em folhetins no suplemento “Pacotilha” do jornal Correio Mercantil, entre 1852-1853.

O Romance dentro do Romantismo

A presente obra pode ser considerada como ímpar dentro da época romântica, uma vez que acaba fugindo dos padrões estabelecidos para tal estilo. Esse estranhamento talvez tenha sido o fato gerador do desinteresse por parte dos leitores da época, acostumados às novelas bem comportadas de Joaquim Manuel de Macedo. De certa forma a obra contraria a solenidade retórica dominante, que é substituída pelo tom humorístico e caricatural, mais próximo do gênero picaresco. Valoriza-se mais o coloquialismo, a fala mais popular das personagens, gente miúda saída dos arredores mais humildes da cidade do Rio de Janeiro. Em lugar do herói idealizado e mítico, surge um anti-herói (herói pícaro), talhado bem próximo da realidade humana e sujeito a defeitos e atrapalhações que não condiziam com os modelos a serem seguidos pelo Romantismo.
Podemos considerar que Memórias de um Sargento de Milícias constitui a primeira afirmação do nacionalismo em nossas letras, libertando-se dos padrões discursivos lusitanos e empregando não só personagens suburbanas, mas também o linguajar do povo. Essa renúncia ao estilo vigente na época é o principal fato da grandeza da obra. O autor escorou-se numa tradição genuinamente popular, fugindo dos modelos folhetinescos e mundanos do Romantismo. Suas personagens não possuem a cortesia castradora dos estereótipos vigentes. O narrador penetra no tempo de D. João VI, retomando um mundo criativo e popular, restaurando a brisa renovadora da estória picaresca. Nessa obra, tudo tem cheiro de povo, sem “frescuras” ou formalidades. Cria-se um mundo carnavalesco, onde a indústria não havia estancado o artesanato, e a sobrevivência fazia-se na base da parceria, da troca de bens, da amizade ou mesmo do furto esporádico, simples desaperto. Um mundo onde a ordem (aristocracia lusitana e funcionalismo público) se confunde com a desordem (rebeldia e independência do zé-povinho).
Podemos dizer que a presente obra constitui um verdadeiro painel dos tempos de D. João VI, uma crônica dos subúrbios cariocas e das diabruras de um certo Leonardinho, verdadeiro paladino da mentira e da vadiagem, anti-herói e peralta-mor.
 Pode-se dizer mesmo que é um romance de exceção em nosso Romantismo. Segundo o crítico literário Antônio Cândido, o sentido profundo das Memórias está ligado ao fato de elas não se enquadrarem em nenhuma das racionalizações ideológicas reinantes na literatura brasileira de então: indianismo, nacionalismo, grandeza do sofrimento, redenção pela dor, pompa do estilo, etc. destoa da ficção daquele momento pelo humorismo imparcial e mesmo amoral, pelo estilo coloquial, mas sem banalidade, pelo tom direto. E um romance que tem como herói a figura de um malandro e que coloca em evidência, na cena literária, a classe média.
Como estabeleceu Paulo Rónai, não se trata de um fenômeno de realismo antecipado, mas de realismo arcaico, uma narrativa inspirada nos romances de cunho picaresco dos séculos XVII e XVIII. Pícaro é uma personagem anti-herói de um tipo de romance predominantemente espanhol. Poder-se- ia ajuntar, segundo Antônio Cândido, que as características do romance são, porventura, devidas, também, ao fato de o autor escrever sem compromissos literários. Era um amador anônimo, sem responsabilidade e face da moda reinante, contando episódios que lhe foram narrados por um companheiro de tipografia, antigo sargento de polícia sob as ordens do famoso major Vidigal, personagem chave no enredo do livro. Essa pureza espontânea, servida por um grande talento narrativo e uma absoluta falta de atitude, levou-o a despreocupar-se em ‘fazer estilo’, e tornou a sua obra um exemplar raro e encantador de tendências realistas, em contraposição às que, no Romantismo, visavam à amplificação retórica e à fraseologia idealista.

Elementos Estruturais da Narrativa

ENREDO

Era no tempo do rei
Quando aqui chegou
Um modesto casal,
Feliz pelo recente amor.
Leonardo, tomando-se meirinho,
Deu a Maria Hortaliça um novo lar,
Um pouco de conforto e de carinho.
Dessa reunião nasceu um lindo varão
Que recebeu o mesmo nome de seu pai,
Personagem central
Da história que contamos neste carnaval.
Mas um dia Maria
Fez a Leonardo uma ingratidão,
Mostrando que não era
Uma boa companheira provocou a separação.
Foi assim que o padrinho passou
A ser do menino o tutor
E deu toda a sua dedicação
Sofrendo uma grande desilusão.
Outra figura importante em sua vida
Foi a comadre — parteira popular.
Diziam que benzia de quebranto,
A beata mais famosa do lugar.
Havia nesse tempo aqui no Rio
Tipos que devemos mencionar:
Chico Juca era mestre em valentia
E por todos se fazia respeitar;
O Reverendo, amante da cigana,
Preso pelo Vidigal, o justiceiro,
Homem de grande autoridade,
Que à frente dos seus granadeiros
Era temido pelo povo da cidade;
Luisinha, primeiro amor
Que Leonardo conheceu
E que dona Maria a outro como esposa concedeu,
Somente foi feliz
Quando José Manoel morreu.
Nosso herói novamente se apaixonou
Quando com sua viola a mulata Vidinha
Esta singela modinha cantou:
Se os meus suspiros pudessem
Aos teus ouvidos chegar,
Verias que uma paixão
Tem poder de assassinar.

Em 1966 Paulinho da Viola compôs para o desfile da Portela, no carnaval, o samba enredo acima, intitulado Memórias de um Sargento de Milícias, cujo enredo tinha por fonte o romance de Manuel Antônio de Almeida. Foi o premiado daquele ano.
Memórias de um Sargento de Milícias é um romance divido em 48 capítulos, a maioria deles muito curtos, cujos títulos, também pequenos, resumem a ação ou problema principal narrado no capítulo. Segundo Eliane Zagury, tendo sido composta para ser lido de forma periódica, no folhetim, a narrativa apresenta alguns traços técnicos típicos, derivados das narrativas medievais de leitura periódica coletiva, como os enredos paralelos e alternados, que ainda hoje são a base da telenovela. E, cada vez que o autor muda o foco da narrativa, faz uma chamada ao leitor, quase a lembrá-lo de que, apesar de tudo, aquele ainda é o mesmo folhetim.
A obra é dividida em duas partes. A primeira apresenta 23 capítulos. A segunda, 25 capítulos. O romance começa pela citação “Era no tempo do rei”, fixando o tempo da obra, que nos parece de vital importância para a caracterização da sociedade que se pretende mostrar. Vamos resumir a partir dos capítulos originais:




PRIMEIRA PARTE

Capítulo I

“Era no tempo do rei.”
O meirinho Leonardo Pataca vem para o Brasil. Durante a viagem, no navio, fica conhecendo um jovem lusitana chamada Maria Hortaliça, uma quitandeira. Os dois se enamoram. Ele dá uma pisadela no pé da moça e recebe de volta um beliscão. À noite os dois se encontram e daí resulta uma união. Sete meses depois de estarem morando juntos, manifestaram-se claramente os efeitos da pisadela e do beliscão: teve Maria um filho, formidável de quase três palmas de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, esperneador e chorão. O menino, que recebeu o mesmo nome do pai, Leonardo, é o herói da história.
O capítulo termina com o batizado de Leonardinho, tendo a parteira (Comadre) por madrinha e o barbeiro (Compadre) por padrinho.

Comentário:

O próprio nascimento de Leonardinho causa estranheza. Como uma criança gerada em apenas sete meses poderia ter nascido tão grande? A ambigüidade é deixada nas entrelinhas, permanecendo no ar a idéia de que Maria, talvez, já estivesse grávida ao embarcar e conhecer Leonardo. Tal incerteza será dirimida mais tarde.

Capítulo II

Quando o traquinas e guloso Leonardo tem sete anos, seu pai, Leonardo Pataca (chama-se o pai de Pataca) volta do trabalho mais cedo. Ao entrar em casa, deixa os laudos de um processo sobre uma pequena mesa. Descobre que é traído pela mulher com outros homens. O amante escapa pela janela, enquanto Leonardo Pataca dá uma surra em Maria Hortaliça. Esta foge com um capitão de navio para Portugal. Porém, enquanto os pais brigam, o menino rasga os documentos deixados pelo pai na mesinha. Leonardo Pataca, enfurecido com o filho, dá-lhe um pontapé no traseiro, de que Leonardinho muitas vezes se lembrará no futuro, atirando-o a quatro braças de distância. Esbraveja chamando-o “filho de uma pisadela e um beliscão...” Leonardinho foge berrando para a barbearia do padrinho, com quem passa a morar desde então. A madrinha ajuda a cuidar do menino.

Comentário:

            Nesse capítulo o autor começa a relatar os costumes do mundo social suburbano, uma característica comum ao longo do livro e que também foge ao Romantismo tradicional.

Capítulo III

O barbeiro é um homem velho e dedica toda a sua atenção e carinho ao afilhado, mimando-o demais. A madrinha sempre discute com o padrinho, achando-o benevolente demais para com as traquinagens de Leonardinho, pois não o castiga como deve. As travessuras do menino são intermináveis e só não desagradam ao compadre, que fazia vista grossa a elas, importando-se apenas com suas idéias a respeito do futuro de seu afilhado. Queria que o menino se tornasse um clérigo. A vizinha do compadre, porém, muitas vezes importunada pelo valdevinos, trava, de sua janela, intermináveis discussões a respeito do caráter do menino.

Comentário:

            Começam a aparecer características importantes da personalidade de Leonardinho, o nosso “anti-herói”: traquinas, mimado, malandro, pícaro.

Capítulo IV

Leonardo Pataca apaixona-se por uma cigana, também infiel, e que acaba o abandonando. Com o objetivo de recuperar o amor da cigana, Pataca apela para um feiticeiro que tem por oficio “dar fortuna” e que lhe impõe uma série de cerimônias para atrair o amor da cigana. Na casa do caboclo, exatamente à meia-noite, bate à porta o major Vidigal, (chefe dos granadeiros), o rei absoluto, o árbitro supremo, o juiz que julgava e distribuía a pena, o guarda que dava caça aos criminosos. Ele resumia tudo em si: a sua justiça era infalível. Leonardo Pataca, pego em flagrante, é preso por vadiagem.

Comentário:

Continua a retratação dos costumes do subúrbio da época, por essa insistência o romance foi classificado como “Romance de Costumes”.

Capítulo V

O Major Vidigal é um homem alto, não muito gordo, com ares de moleirão, de olhar baixo e movimentos lentos. Sua voz é descansada e adocicada. É o árbitro supremo de tudo que diz respeito à polícia da época. De suas sentenças não cabe apelação. Exerce uma espécie de inquisição policial, caça criminosos e vagabundos. Todos têm por ele respeito e temor.
Durante a prisão de Leonardo Pataca, o Major acaba obrigando todos os presentes na casa do feiticeiro a dançarem até não se agüentarem mais, chicoteando-os. Leonardo Pataca é levado para a Casa da Guarda (depósito de presos), depois é transferido para a cadeia.

Comentário:

            Repare que a opinião do Major é dita até então como sendo irrevogável, mas futuramente, em vários momentos, ele volta atrás no que diz dando um “jeitinho” de mostrar que não é bem como as coisas haviam sido ditas.

Capítulo VI

Enquanto isso, Leonardinho acompanha uma procissão de rua, juntando-se a outros moleques. Passa a noite num acampamento de ciganos.
Leonardo Pataca, graças à intervenção de um velho tenente-coronel conhecido da Comadre, é colocado em liberdade de manhã e volta para casa.


Comentário:

            Repare que o velho “jeitinho brasileiro” aparece tanto na permissão que o Romance dá a Leonardinho, de passar a noite em acampamento de ciganos sem ser preso e na soltura do Pataca, mesmo depois da sentença do Vidigal.

Capítulo VII

Era a Comadre uma mulher baixa, excessivamente gorda, bonachona, vivia o oficio de parteira e benzia de quebranto; muito beata, era a mais desabrida papa-missas da cidade, ingênua ou tola, até certo ponto, mas esperta em outros, gosta de ir à missa e ouvir os cochichos das beatas.

Comentário:

            Note que na caracterização da personagem, há pouco ou nenhum aprofundamento psicológico, o importante é seu ofício, seus costumes, seu aspecto físico, ou seja, tratam-se de personagens tipificados.

Capítulo VIII

A sala onde ficam os velhos oficiais é chamada de “pátio dos bichos”. Os soldados permanecem a serviço do rei, esperando qualquer ordem. A Comadre procura um tenente-coronel para que este interceda junto a El-Rei em favor de Leonardo.

Capítulo IX

O padrinho vive bem, apesar de ser um humilde barbeiro. A origem do dinheiro remonta do ofício de sangrador a bordo de um navio que vinha para o Brasil. O capitão moribundo confiou-lhe as economias para que as entregasse a sua filha. O barbeiro ficou com tudo e nunca procurou a filha do capitão.

Comentário:

Os barbeiros tinham algumas atribuições além das que hoje conhecemos. A sangria era uma delas.

Capítulo X

Num ‘flash-back’, o narrador revela que o filho do tenente-coronel desvirginara uma moça em Portugal, sem casar-se com ela. Ao saber que ela estava no Brasil, casada com Leonardo Pataca, procurou ajudá-la para aplacar seu problema de consciência. Por isso, acabou auxiliando Pataca. O tenente-coronel age por meio de um amigo que consegue a libertação de Leonardo.

Comentário:

            Veja como o sistema de compensações políticas funciona de maneira a acobertar o que socialmente não deveria ter sido aceito. Tanto a atitude de não casamento do filho do tenente-coronel, como a libertação de Pataca. Um desvio vem para justificar o outro.

Capítulo XI

O padrinho encontra dificuldades para ensinar o afilhado. Leonardinho aprende com lentidão e não manifesta qualquer inclinação para as coisas da igreja. A vizinha briga com o menino. Ela e o barbeiro discutem. Leonardinho imita a velha. O barbeiro, rindo muito, considera-se vingado.

Comentário:

            Mais qualificações negativas do nosso “herói” aparecem, e trazem com elas amostras de uma educação que estimula o desrespeito.

Capítulo XII

Leonardinho entra para a escola. A custa de muitos trabalhos, sobretudo de muita paciência, conseguiu o compadre que o menino freqüentasse a escola durante dois anos
O capítulo descreve a escola da época, focalizando a importância corretiva da palmatória. Leonardinho apanha por causa de suas estripulias. Vive fugindo da escola. Até abandoná-la.

Capítulo XIII

O padrinho convence o afilhado a voltar para a escola, mas Leonardinho sempre foge. Numa dessas fugas, acaba por fazer amizade com um coroinha, Tomás da Sé. Percebendo que na igreja terá um campo mais vasto para suas diabruras e traquinagens, convence o padrinho a fazê-lo coroinha. O barbeiro sente-se realizado, pois pensa que é meio caminho andado para torná-lo padre.
Para vingar-se da vizinha, com quem o padrinho discutira, Leonardinho e o pequeno sacristão jogam-lhe fumaça de incenso na cara e derramam-lhe cera na mantilha.

Comentário:

            Para o barbeiro, e para sociedade em si, é mais importante a imagem que se passa, é aceitável Leonardinho fora da escola, desde que esteja como coroinha.

Capítulo XIV

O padre mestre de cerimônias mantém relações com a cigana que abandonara Leonardo Pataca. No dia da festa da igreja, o padre prepara-se para proferir seu sermão. Leonardinho, encarregado de avisar a hora do sermão, informa que será às dez horas, quando na verdade seria às nove. O mestre chega atrasado e furioso, correndo para o púlpito, onde já está o capuchinho italiano a fazer o sermão. O padre toma o lugar do capuchinho, após discutirem. O sacristão é despedido.




Capítulo XV

Quando Leonardo Pataca descobre que o rival que o pusera fora de combate com a cigana era o reverendo mestre de cerimônias da Sé e que ele irá ao aniversário dela, decide armar uma estralada contrata Chico-Juca, valentão por oficio, a quem pediu para armar uma confusão nesta festa. Ao mesmo tempo, avisou o Vidigal que tal confusão ocorreria naquela noite. Seu plano foi um sucesso. O mestre de cerimônias, surpreendido em ceroulas na casa da cigana.

Comentário:

            Repare que nos capítulos acima as armações são sempre um sucesso, a personagem que trama contra outra não é necessariamente punida por isso, como acontece na maioria dos romances Românticos padrões.

Capítulo XVI

O padre, depois da prisão e da humilhação sofrida, ao ficar exposto como prisioneiro do Major, arrepende-se e deixa a cigana. Leonardo Pataca tenta reconquistar sua ex-amada e, ao fim de algumas tentativas, conseguiu lograr êxito, passando a viver junto dela. A Comadre censura Leonardo por isso.

Capítulo XVII

D. Maria é uma mulher velha e muito gorda, tem bom coração, é benfazeja, devotada aos pobres. Tem mania de demandas(questões jurídicas).
Por causa da procissão, estão em sua casa o Compadre, Leonardinho, a Comadre e a Vizinha. A conversa gira em torno das peraltices do menino, que aproveita para pisar na saia da vizinha, rasgando-a. Todos discutem o futuro do garoto. D. Maria sugere que seja procurador de causas.

Capítulo XVIII

Leonardinho cresceu, sempre aprontando traquinagens, e acabou frustrando o sonho do padrinho de vê-lo em Coimbra, não se tornou padre; não trabalhou em cartório. Transformou-se num vadio, um “vadio-mestre, vadio-tipo”. Vivia sem qualquer preocupação, sem fazer nada.
Leonardo Pataca casa-se com Chiquinha, uma sobrinha da Comadre. Dona Maria ganha a demanda para ser tutora de uma sobrinha órfã, Luisinha. O Compadre e o afilhado vão visitá-las com freqüência. Luisinha é bem desenvolvida, mas desajeitada. Leonardinho sai rindo dela, mas não consegue mais esquecê-la. Leia com atenção:
“Leonardo lançou-lhe os olhos, e a custo conteve o riso. Era a sobrinha de D. Maria já muito desenvolvida, porém que, tendo perdido as graças de menina, ainda não tinha adquirido a beleza de moça: era alta, magra, pálida: andava com o queixo enterrado no peito, trazia as pálpebras sempre baixas, e olhava a furto; tinha os braços finos e compridos; o cabelo, cortado, dava-lhe apenas até o pescoço, e como andava mal penteada e trazia a cabeça sempre baixa, uma grande porção lhe caía sobre a testa e olhos, como uma viseira.”. (p.58)


Comentário:

            A caracterização da personagem Luisinha passa longe da heroína romântica idealizada (90, 60, 90...).

Capítulo XIX e Capítulo XX

Leonardinho começa a apaixonar-se por Luisinha e os dois tornam-se mais íntimos após a Festa do Divino.

Comentário:

Os costumes populares, dos quais tanto fala o livro, incluem as festas de santos, que também são comuns em outro livro da lista da FUVEST 2006, “Libertinagem” de Manuel Bandeira.

Capítulo XXI

Aparece outro pretendente para Luisinha. É o espertalhão e maledicente José Manuel, um homenzinho de mais ou menos trinta e cinco anos, magro, narigudo, que passa a cortejar a moça com olhos na herança de D. Maria, de quem Lusinha a é única herdeira.

Capítulo XXII

O padrinho se afligira tanto quanto Leonardo com este contratempo que sobreveio e decidiu formar com a comadre uma aliança contra o concorrente de seu afilhado.

Capítulo XXIII

Mesmo com o surgimento desse concorrente, Leonardo decidiu por conquistar Luisinha. Após vários dias refletindo sobre a questão e depois de muitas lutas consigo mesmo para vencer o acanhamento, tomou um dia a resolução de acabar com o medo e declarou seu amor. Luisinha fez-se de uma cor de cereja, foi dando as costas a Leonardo e saiu pelo corredor.
Leonardinho consegue declarar-se a Luisinha, numa cena marcada por muita comicidade por causa do desajeito do rapaz, que ficou em muitas tentativas e vários retrocessos antes de atingir o desejado:
‘Luisinha estava no vão de uma janela a espiar para a rua pela rótula; Leonardo aproximou-se tremendo, pé ante pé, parou e ficou imóvel como uma estátua atrás dela que, entretida para fora, de nada tinha dado fé. Esteve assim por longo tempo calculando se devia falar em pé ou se devia ajoelhar-se. Depois fez um movimento como se quisesse tocar no ombro de Luisinha, mas retirou depressa a mão. Pareceu-lhe que por aí não ia bem; quis antes puxar-lhe pelo vestido, e ia já levantando a mão quando também se arrependeu. Durante todos estes movimentos o pobre rapaz suava a não poder mais. Enfim, um incidente veio tirá-lo da dificuldade. Ouvindo passos no corredor, entendeu que alguém se aproximava, e tomado de terror por se ver apanhado naquela posição, deu repentinamente dois passos para trás, e soltou um - ah! - muito engasgado. Luisinha, voltando-se, deu com ele diante de si, e recuando espremeu-se de costas contra a rótula; veio-lhe também outro - ah! - porém não lhe passou da garganta, e conseguiu apenas fazer uma careta.
A bulha dos passos cessou sem que ninguém chegasse à sala; os dois levaram algum tempo naquela mesma posição, até que o Leonardo, por um supremo esforço, rompeu o silêncio e com voz trêmula e em tom o mais sem graça que possa imaginar perguntou desenxabidamente:
- A senhora... sabe... uma coisa?
E riu-se com uma risada forçada, pálida e tola.
Luisinha não respondeu. Ele repetiu no mesmo tom:
- Então... a senhora... sabe ou... não sabe?
E tornou a rir-se do mesmo modo. Luisinha conservou-se muda.
- A senhora bem sabe... é porque não quer dizer...
Nada de resposta.
- Se a senhora não ficasse zangada... eu dizia...
Silêncio.
- Está bom... eu digo sempre... mas a senhora fica ou não fica zangada?
Luisinha fez um gesto de quem estava impacientada.
- Pois então eu digo... a senhora não sabe... eu... eu lhe quero... muito bem.
Luisinha fez-se cor de cereja; e fazendo meia volta à direita, foi dando as costas ao Leonardo e caminhando pelo corredor. Era tempo, pois alguém se aproximava.
Leonardo viu-a ir-se, um pouco estupefato pela resposta que ela lhe dera, porém não de todo descontente: seu olhar de amante percebera o que se acabava de passar não tinha sido totalmente desagradável a Luisinha.
Quando ela desapareceu, soltou o rapaz um suspiro de desabafo e assentou-se, pois se achava tão fatigado como se tivesse acabado de lutar braço com um gigante. ’ (p68.)

SEGUNDA PARTE

Capítulo I

Nasce a filha de Leonardo Pataca e Chiquinha. A Comadre faz o parto.

Capítulo II

Enquanto isso, a comadre tratava de pôr seu plano em prática. Foi à casa de D. Maria testemunhar que José Manoel era o protagonista em um dos últimos escândalos que se passara na cidade. A Comadre inventa que José Manuel foi o raptor de uma moça na porta da igreja, colocando-o como suspeito de um famoso caso policial da época. Assim, dá prosseguimento ao plano tramado com o afilhado e o Compadre. Maria, estupefata, rompeu com José Manoel.

Capítulo III e Capítulo IV

José Manuel, reconhecendo que aquilo havia sido obra de inimigos, achou também um procurador para sua causa: o mestre de rezas da casa de D. Maria. Após alguns esforços deste e depois de ter brilhantemente vencido uma demanda em favor de D. Maria, José Manoel obteve completo triunfo. O Mestre de Reza encarrega-se de descobrir quem é o intrigante.


Capítulo V

Morre o Compadre, deixando todos os seus bens para Leonardinho. Leonardo Pataca aparece para tomar conta do filho, interessado em seus bens , já que o padrinho o havia instituído seu universal herdeiro. Leonardo volta para a casa do pai. A comadre assentou que deveria substituir o compadre no amor pelo afilhado, e determinou-se a vir morar com ele em casa de Leonardo Pataca. Ficam todos morando juntos.

Capítulo VI

Leonardinho, nervoso depois de voltar da casa de D. Maria sem ter visto Luisinha, briga com Chiquinha. Leonardo passa novamente pela experiência traumatizante da infância: é posto pelo pai, armado de um espadim, para fora de casa. A Comadre procura o afilhado, enquanto a vizinhança comenta o ocorrido.

Capítulo VII

Leonardo andou a bom andar por longo tempo e acabou encontrando, em um grupo de jovens, seu antigo camarada, Tomás da Sé, que havia sido com ele sacristão da Sé. Leonardo conhece também Vidinha, de 18 a 20 anos, cantora de modinhas, por quem se apaixona imediatamente, esquecendo-se por completo de Luisinha. A convite de seu amigo, Leonardo passa a viver, como agregado, em sua casa.

Comentário:

O fato de Leonardinho esquecer seu amor por Luisinha mostra mais uma vez que estamos tratando aqui de um livro de transição entre o Romantismo e o Realismo, uma vez que nem o valor do Amor é posto como prioritário pelo herói.

Capitulo VIII

A nova família de Leonardinho é formada por duas irmãs viúvas, uma com três filhos e outra com três filhas. Os três filhos da primeira têm mais de 20 anos e trabalham como empregados no trem. As moças têm mais ou menos a mesma idade dos moços. São bonitas. Uma delas é Vidinha. Desenvolve-se romance entre os dois.

Capítulo IX

Procurado pela Comadre, Leonardinho não foi encontrado em parte alguma. Ela foi à casa de D. Maria, que a repreendeu pela intriga armada contra o pretendente da enteada. A Comadre percebe que José Manuel está perdoado aos olhos da velha e que o Mestre de Rezas havia desvendado tudo. Desculpa-se com D. Maria.

Capítulo X

Dois irmãos da nova família de Leonardinho estão interessados em Vidinha e unem-se contra o rapaz. As velhas e a moça tomam o partido de Leonardinho. Há brigas e confusões. Leonardinho decide sair de casa, mas as velhas não consentem. Chega a Comadre.

Capítulo XI

Depois de conversarem, Leonardinho acaba ficando. Vidinha se alegra. Os primos vencidos decidem vingar-se de Leonardinho. Avisam o Major Vidigal, que chega ao meio duma farra e prende Leonardinho.

Capítulo XII

José Manuel consegue o consentimento de D. Maria para casar-se com Luisinha, depois de ganhar uma causa forense para a velha. Leonardinho já havia esquecido Luisinha. Esta aceita o novo pretendente com indiferença. O casamento é celebrado com grande festa e carruagens.

 Comentário:

O fato de Luisinha se casar com outro homem, antes de Leonardinho, tira dela uma característica comum em algumas heroínas românticas: a virgindade. Além disso, mostra que o seu amor por Leonardo não era tão forte e avassalador como costumamos ver nas heroínas em obras tipicamente românticas.

Capítulo XIII

Depois de preso pelo Major, Leonardinho consegue escapar quando estava a caminho da prisão. Apesar de vigiado pelo Major, aproveitou-se de um pequeno tumulto de rua para fugir, indo para a casa de Vidinha. O Major, humilhado na frente de todos, prometeu a si mesmo, pelas próprias mãos, tomar séria vingança contra Leonardo. Procura-o por toda parte com seu grupo de granadeiros.

Capítulo XIV

A Comadre, acreditando que o afilhado ainda esteja preso, procura o Major e chora ajoelhada a seus pés. Suplica pelo afilhado, que já havia fugido, e acaba sendo ridicularizada pelos granadeiros quando se ajoelha aos prantos e pede para que soltem Leonardinho.

Capítulo XV

A Comadre dirige-se à casa das velhas e prega um sermão ao afilhado, exigindo que abandone a vadiagem e procure um emprego. Ela consegue para ele um emprego de servidor na Ucharia (despensa) Real. O Major não gosta disso, porque não poderá mais prendê-lo por vadiagem.
Na Ucharia mora, em companhia de uma mulher bonita, um tal de Toma-Largura, assim chamado por causa da sua aparência, grandalhão e desajeitado. Passado algum tempo no serviço, em que tudo correu as mil maravilhas, Leonardinho demora-se cada vez mais no trabalho na despensa real e vai esquecendo Vidinha. Um dia, encontrando-se a sós com ela na casa do toma-largura, foi surpreendido pela chegada precoce do mesmo, o que acabou gerando enorme confusão. Toma-Largura pega Leonardinho tomando sopa com sua mulher e corre atrás dele, escorraçando-o de casa. No dia seguinte, Leonardinho é despedido do emprego.

Capítulo XVI

Vidinha descobre tudo que aconteceu e vai tomar satisfação com a mulher do Toma- Largura, pois é extremamente ciumenta. Vidigal, sabendo tudo o que se passava, desta vez não vacilou. Leonardo foi finalmente preso quando, no Largo do Paço, tentava dissuadir Vidinha de tirar satisfação pelo ocorrido em casa do toma-largura.

Capítulo XVII

Vidinha xinga Toma-Largura e a mulher. Mas, como os dois não reagem, pega a mantilha e vai embora. Vidinha acabou por encantar o toma-largura ao tirar satisfações em sua casa. Este concluiu que conquistar, ainda que fosse uma diminuta parcela do amor de Vidinha, seria ao mesmo tempo vingar-se de Leonardo e alcançar o triunfo de um desejo. Acompanha Vidinha para saber onde a moça mora.

Capítulo XVIII

Quando Vidinha chega em casa, todos dão pela falta de Leonardinho. Mandam procurar por toda parte, mas não o encontram. Suspeitam que tenha sido preso pelo Major, mas não o localizam na Casa da Guarda. A Comadre também procura em vão o afilhado. A família que hospeda Leonardinho pensa que ele se escondeu propositadamente e passa a odiá-lo.
Toma-Largura ronda a casa de Vidinha para cumprimentá-la, não imaginando a armadilha que lhe preparam. É recebido por eles. Resolvem comemorar a aproximação com uma patuscada nos Cajueiros, mesmo local onde Leonardinho conhecera Vidinha. Toma-Largura bebeu sofrivelmente e transformou a festa numa algazarra infernal. Quando menos se esperava, viu-se surgir dentre as moitas o major Vidigal com seus granadeiros. Para espanto de todos, entre eles, ninguém menos que o desaparecido Leonardo, vestido em uniforme de granadeiro.

Capítulo XIX

Toma-Largura é abandonado bêbado na calçada, porque ninguém agüenta carregá-lo.
Leonardinho foi transformado em granadeiro depois de preso pelo Vidigal, que o levou a sentar praça no Regimento Novo. O Major requisitou-o para ajudar nas tarefas policiais. Foi a vingança encontrada pelo Major.
Leonardinho mostra-se competente no serviço, mas participa de uma estripulia imitando o Vidigal defunto para ridicularizá-lo.

Capítulo XX

Um dia o major anunciou uma grande e importante diligência: agarrar um endiabrado bicheiro chamado Teotônio, homem com grande reputação de divertido. O sujeitinho fora convidado para animar a festa de batizado da filha de Leonardo-Pataca e Chiquinha, que acabara de nascer, como Leonardo tinha acesso à casa de seu pai e por isso não levantava suspeitas, o major contava com sua ajuda para agarrar o Teotônio na festa.
Leonardinho é bem recebido na casa do pai. Leonardo, sentindo remorsos pelo fato de representar papel de traidor, acaba por contrariar os planos do major, revela a missão da qual está incumbido e ajuda o bicheiro a escapar.

Capítulo XXI

Leonardinho é cumprimentado pela façanha por um amigo indiscreto na frente do Major Vidigal, que percebe o engodo e prende-o imediatamente. A comadre, desesperada ao saber da prisão de seu afilhado, foi falar com D. Maria com quem havia há pouco se reconciliado. Depois da lua-de-mel, José Manuel começa a mostrar que não é grande coisa. D. Maria une-se à Comadre para soltar Leonardinho.

Capítulo XXII E XXIII

A Comadre não consegue soltar o afilhado e pede ajuda a D. Maria, que recorre a Maria Regalada, ex-amante do major Vidigal. Esta é muito alegre e mora na Prainha. Maria Regalada e a Comadre intercedem a favor do relaxamento da prisão de Leonardinho. O Major resiste. Maria Regalada cochicha algo em seu ouvido e ele promete não apenas soltar o moço, mas fazer algo por ele. Foi o que ocorreu. Leonardo não só foi solto, como o major o promoveu a sargento dos granadeiros.

Capítulo XXIV

José Manuel tem um ataque cardíaco por causa de uma ação movida por D. Maria e morre. Leonardinho é libertado e visita Luisinha durante o velório. Sua aparência agrada Luisinha. Cresce a admiração entre os dois.
“O Leonardo começou a procurar com os olhos alguma coisa ou alguém que tinha curiosidade ver; deu com o que procurava: era Lusinha. Há muito que os dois se não viam; não puderam pois ocultar o embaraço de que se acharam tomados. E foi tanto maior essa emoção, que ambos ficaram surpreendidos um do outro. Luisinha achou Leonardo um guapo rapagão de bigodes e suíça; elegante até onde pode sê-lo, um soldado de granadeiros, com o seu uniforme de sargento bem assente. Leonardo achou Luisinha uma moça espigada, airosa mesmo, olhos e cabelos pretos, tendo perdido todo aquele acanhamento tísico de outrora. Além disso seus olhos, avermelhados pelas lágrimas, seu rosto empalidecido, se não verdadeiramente pelos desgostos daquele dia, seguramente pelos antecedentes, tinham nessa ocasião um toque de beleza melancólica, que em regra geral não devia prender muito a atenção de um sargento de granadeiros, mas que enterneceu ao sargento Leonardo que, apesar de tudo, não era um sargento como qualquer. E tanto assim, que durante a cena muda que se passou, quando os dois deram com os olhos um no outro, passaram rapidamente pelo pensamento do Leonardo os lances de sua vida de outrora, e remontando de fato em fato, chegou àquela ridícula mas ingênua cena da sua declaração de amor a Luisinha. Pareceu-lhe que tinha então escolhido mal a ocasião, e que agora isso teria um lugar muito mais acertado.” (p13 1)

Capítulo XXV

Cumprido o luto, Leonardinho e Luisinha recomeçam o namoro. Os dois pretendem se casar, mas necessitam do consentimento do Major, porque granadeiro não pode se casar. Levam o problema para o Major, que está vivendo com Maria Regalada. Este foi o preço pela liberdade de Leonardinho. Por influência da mulher, Vidigal dá um jeito: consegue baixa para Leonardinho da tropa de linha e nomeia-o sargento de milícias.
Leonardo Pataca devolve ao filho a herança deixada pelo padrinho, que estava intacta. Leonardinho e Luisinha casam-se.
A narrativa cessa sem, no entanto, dar como acabada a história. O último parágrafo é cheio de ambigüidade, não terminando com o final feliz das novelas românticas: “Passado o tempo indispensável do luto, Leonardo, em uniforme de Sargento de Milícias, recebeu-se na praça da Sé com Luisinha assistindo a cerimônia a família em peso.
Daqui em diante aparece o reverso da medalha. Seguiu-se a morte de D. Maria, a do Leonardo Pataca, e uma enfiada de acontecimentos tristes que pouparemos aos leitores, fazendo aqui um ponto final.”

Comentário:

Note que a metalinguagem e a conversa com o leitor são características que poderemos observar mais a frente no Realismo.
Os episódios são escritos de forma autônoma, mostrando-se como uma seqüência de situações, ou seja, pequenos relatos cuja unidade é dada a partir do protagonista, Leonardinho. Alguns críticos preferem ver a obra como novela, por causa dessa autonomia dos capítulos, em lugar de romance, como se costuma normalmente considerar.

PERSONAGENS

As personagens formam uma galeria de tipos populares dos subúrbios do Rio de Janeiro, composta de meirinhos, parteiras, granadeiros, vadios, sacristãos, brancos, pardos e pretos - elementos do povo, de todas as raças e profissões. Dessa maneira, o autor não pretende individualizá-las psicologicamente, mas criar personagens planas, o que mostra bem a intenção de focalizar os costumes dessa “fauna’ social do tempo do rei, produzindo apenas tipos sociais.

1. Leonardo é o protagonista. Abandonado pelos pais, parece, por compensação, ser o “bem amado” de seu padrinho, de sua madrinha, e de outros personagens que o protegem por simplesmente simpatizarem com ele. Desde a infância é apresentado como tendo um comportamento quase que compulsivo para as travessuras. Ao crescer toma-se um vadio tipo, levando uma vida mais confusa que propriamente problemática. “Para ele, não havia fortuna que não se transformasse em desdita, e desdita que não lhe resultasse em fortuna”. Assim como as demais personagens, seu caráter é marcado por altos e baixos, não podendo ser definido nem como bom nem como mau. Seu comportamento é por isso, dito amoral. E a figura do malandro no papel de herói, ou melhor, de anti-herói. Um precursor de Macunaíma de Mário de Andrade, o “herói sem nenhum caráter”.

2. Leonardo Pataca era alfaiate em Portugal, é o pai de Leonardo. Trabalhava como meirinho (oficial de justiça). É um mulherengo incorrigível. Espertalhão e interesseiro. Tipo moleirão e sentimental vive duas frustrações: Primeiro é abandonado por Maria Hortaliça, mãe de Leonardo, e depois pela cigana por quem se apaixonou logo após a fuga da primeira. No final da história parece atingir uma certa estabilidade com a nova esposa Chiquinha, com quem teve uma filha. Dá provas de sua honestidade ao entregar religiosamente intacta a herança que o compadre deixara para Leonardo.

3. Maria Hortaliça também veio de Portugal, onde trabalhava como quitandeira nas praças de Lisboa. É mãe de Leonardo. Abandona o marido e o filho por um capitão de navio. “Foram saudades da terra”.

4. Compadre é um personagem que também apresenta comportamento contraditório. Apesar de ter se apropriado indevidamente de fortuna alheia, acaba se reabilitando ao assumir o afilhado. É quem acaba criando Leonardo, como seu próprio filho. Tem um comportamento completamente indulgente para com este, mas é frustrado em suas ambições para o futuro de Leonardo.

5. Comadre é a parteira e benzedeira mais famosa do local. É outra madrinha e protetora de Leonardo, livrando-o sempre, através de suas influências, de inúmeras enrascadas.

6. Luisinha é o primeiro amor de Leonardo. Após tomar-se viúva de um marido que para ela era um “dragão”, casa-se com o nosso herói. Contrariamente aos padrões românticos de caracterização da heroína, era é magra, pálida, sem graça, e andava com o queixo enterrado no peito. Enteada de D. Maria

7. Vidinha é uma mulata namoradeira, cantora de modinhas, segunda paixão de Leonardo. Acabam se separando quando descobre o motivo pelo qual Leonardo foi demitido da Ucharia.

8. Major Vidigal é o único personagem rigorosamente histórico do romance. Temido por todos, “era má sina do major ter sempre de andar desmanchando prazeres alheios”. E chefe dos granadeiros. Representa a autoridade policial. Homem que causa respeito e medo nas pessoas.

9. D. Maria tem mania de demandas judiciais, numa destas consegue ser tutora de Luisinha. Foi quem arrumou o primeiro casamento da sobrinha.

10. José Manoel veio da Bahia e foi o primeiro marido de Luisinha. Era maldizente, mentiroso descarado, tendo por característica principal o traço que marcava o fluminense da época: a maledicência. Morreu devido a um derrame.

11. Maria Regalada, camarada de D. Maria, ex-amante de Vidigal, intercede duas vezes por Leonardo livrando-o de punição e promovendo-o a Sargento de Milícias.

Outros personagens: há ainda outros tipos que devemos mencionar. Chiquinha, filha da comadre que se casa com Leonardo-Pataca; Chico Juca, mestre em valentia, Tomás da Sé, coroinha com Leonardo na Sé; o mestre de cerimônias, o mestre de rezas, o Toma-largura, a vizinha, a cigana, o tenente-coronel, o professor e muitos outros personagens coletivos, caricaturais que não tem sequer nome, representando apenas funções.
A maioria destes personagens não é dotada de uma maior profundidade psicológica, pois o autor optou pela caracterização de tipos sociais coletivos, representativos da classe média da época. E por essa razão que a obra deve ser considerada um romance de costumes.

NARRADOR

O romance é narrado em terceira pessoa. O narrador pode ser considerado um observador/comentarista das ações e situações por que passam as personagens. O tom constante de seus comentários, que por vezes chegam a ser contundentes críticas à sociedade, aos costumes ou a uma determinada personagem, é sempre de bom humor e ironia.
Em apenas duas passagens do romance o narrador deixa entrever que não sabe o que se passa com as personagens. Uma delas é quando, no capítulo XXI diz, a respeito do amor de Leonardo por Luisinha: “.. . é isso segredo do coração do rapaz que nos não é dado penetrar: fato é que ele a amava, e isto basta”. A outra quando, no capítulo XXVIII, diz a respeito da conversa de Luisinha e Leonardo: “O que eles se diziam não posso dizê-lo leitor, porque não o sei”.
Usando de toda sua “liberdade de contador de histórias”, o narrador conduz o enredo segundo sua conveniência. Para atrair a atenção e interesse do leitor faz um jogo de esconde/revela em que deixa em suspenso ações, explicações sobre as personagens, e mesmo o nome de algumas dessas personagens, para mais tarde revelá-los.
Além disso, o narrador passa da terceira para a primeira pessoa do plural, geralmente quando muda o foco da narrativa, fazendo uma chamada ao leitor (leitor incluso), pedindo sua cumplicidade: “Por agora vamos continuar a contar o que era feito do Leonardo”. Por todos estes motivos, podemos dizer que a postura do narrador no romance é distinta daquela tradicionalmente adotada pelo romantismo. Essas intromissões do narrador são notáveis, tornando a obra mais interessante e mais rica.
A ação é dinâmica e contínua, criando uma atmosfera de romance de aventuras, graças às estripulias do picaresco Leonardinho e da troca contínua dos pares amorosos. Quando há ausência de ação de uma personagem, ela sai de cena, retornando só quando a participação da mesma é ativa, O enredo é montado a partir dos fragmentos para nos dar mostras da história do protagonista e de seu pai, Leonardo Pataca.

TEMPO

Como a própria abertura do romance nos mostra, a narrativa se passa na época do rei D. João VI.
O tempo presente da narração é um pouco posterior àquele em que se deu a narrativa, não muito distante (tempo da enunciação é diferente do tempo do enunciado). É por essa razão que a narração apresenta um certo tom de saudosismo, de nostalgia por um tempo bom que já passou.
O tempo da obra é cronológico, estabelecido pela primeira frase do livro: ‘Era no tempo do rei”. Assim, a ação narrativa passa-se nas primeiras décadas do século XIX.

ESPAÇO

Não se trata de um romance histórico, que pretenda narrar fatos ou vidas de tonalidade heróica. É um romance de costumes, que vem a nos descrever a vida da coletividade urbana do Rio de Janeiro (Eliane Zagury). É o próprio narrador quem, no capítulo XLIII, nos diz qual é o seu objetivo: “a fidelidade porém com que acompanhamos a época, da qual pretendemos esboçar uma parte dos costumes,...”.
O autor recria então, com precisão, a realidade da classe média carioca, com suas festas, suas procissões, seus bons e maus costumes.
Convém, nesse ponto, tratarmos de um aspecto fundamental na compreensão do romance:
É o próprio narrador quem nos diz que: “Já naquele tempo (e dizem que é defeito do nosso) o empenho, o compadresco, eram uma moda real de todo movimento social”. Através do comportamento das personagens, que acabam obtendo o que desejam, ou evitando o que não querem, através de favores, trocas, acordos, influências, evidencia-se um padrão de funcionamento da sociedade brasileira de então. E o que Roberto Schwartz chama de política do favor, que parece estar na origem do famoso e atualíssimo “jeitinho brasileiro”.
Portanto, o espaço é o Rio de Janeiro, mostrado de forma realista e através de descrições precisas do centro velho e dos subúrbios, de onde saem as personagens.

LINGUAGEM

A linguagem utilizada pelo autor é direta, em estilo coloquial, desprovida de quaisquer maneirismos característicos do período romântico. Procura reproduzir com fidelidade a língua falada na época. A preocupação do autor com a oralidade é evidente quando descreve a personagem Vidinha através do modo como fala: “Além do costume das risadas tinha Vidinha outro, e era o de começar sempre tudo que tinha a dizer por um qual muito acentuado”.

ESTILO DE ÉPOCA

Apesar de estar classificado como romântico, o romance Memórias de um Sargento de Milícias apresenta traços estéticos que ultrapassam o Romantismo. Sua composição não segue a trilha deixada pelos demais ficcionistas desse estilo. A fragmentação do enredo deixa margens de dúvida se não seria um precursor do estilo digressivo e fragmentário de Machado de Assis. Suas personagens passam longe das idealizações românticas, estão mais próximas do Realismo, não raro configurando tipos. A ausência de um final feliz definido é outro elemento fora dos parâmetros românticos. Dentro dos romances românticos, não se direciona especificamente para os romances urbanos, que focalizam a sociedade burguesa, pois caracteriza a sociedade suburbana, a gente humilde e trabalhadora.
Sem dúvida, a situação é controversa. Devemos enxergar a presente obra como um romance de costumes, que apresenta também tendência à novela picaresca, pela presença do anti-herói Leonardinho.
Cabe ressaltar que alguns críticos enxergam na obra uma precursora do Realismo no Brasil. Há, sem dúvida, elementos realistas, mas ainda predominam componentes românticos, já que não mostra nítida intenção realista. Os elementos considerados realistas presentes nessa obra filiam-se à narrativa picaresca espanhola, que tem por preocupação retratar naturalmente os costumes populares sem idealizá-los.

ESTILO INDIVIDUAL

Como vimos, a presente obra foge das características gerais do Romantismo, apresentando características próprias. O estilo da obra, bem como de seu autor, apresenta tendências bem pessoais e marcantes. Destaquemos algumas dessas tendências:
a) Emprego de linguagem bem coloquial, marcada por incorreções e linguajar lusitano, interiorano ou das periferias de Lisboa, lembrando que boa parte das personagens são imigrantes portugueses ou gente simples do povo.
b) Ausência de personagens idealizadas e de análise psicológica: o romance prefere focalizar os costumes, hábitos e cacoetes das pessoas de camadas sociais inferiores, numa construção mais realista da sociedade suburbana do início do século XIX.
c) Presença do humorismo, do ridículo e do burlesco: o tom geral da obra segue a tendência da gozação, marcado que está pela construção de personagens que tendem para o caricatural, para o mais absoluto ridículo. A essa tendência chamamos carnavalização.
d) Presença da ironia.
e) Presença da metalinguagem: A obra volta-se para si mesma, comentando os procedimentos que estão sendo empregados: palavras utilizadas, explicações sobre capítulos ou personagens que desaparecem de cena.
f) Presença de digressões: a narrativa não segue a ordem linear dos fatos, é episódica e, não raro, foge da história para comentar fatos paralelos ou para dar explicações sobre o próprio livro.
g) Presença do narrador intruso, que o tempo todo se intromete para dar explicações, analisar fatos ou personagens e conversar com o leitor.
h) Presença do leitor incluso, com quem o narrador procura estabelecer conversação: “Por estas palavras vê-se que ele suspeitara alguma coisa; e saiba o leitor que suspeitara a verdade.
A obra deixa transparecer a presença de diversas figuras de linguagem, bem como recursos, tais como: hipérboles, comparações, metáforas, perífrases, trocadilhos, metonímias, linguagens forenses, sarcasmos, barbarismos, etc.

PROBLEMÁTICA E PRINCIPAIS TEMAS

Mesmo com o risco de nos tornarmos repetitivos, retomamos a problemática central da presente obra. Afinal, temos ou não uma obra que foge a uma rígida classificação? Sem dúvida a resposta a esta questão é evidente, uma vez que a obra apresenta elementos que escapam à típica caracterização dos moldes em voga no Romantismo, mas não atende de forma direta às perspectivas do Realismo, que sequer havia começado na Europa. É um romance que apresenta variáveis, tais como: novela picaresca, romance de costumes e romance de aventuras, sendo considerado por alguns um romance anti-romântico, o que implicaria em tendências precursoras do Realismo, que só se confirmaria a partir das Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), de Machado de Assis. A presença da realidade objetiva é inquestionável, mas apenas isto não configura o Realismo na linha flaubertiana.
A obra é fundamentalmente humorística, estabelecendo contatos com o gênero picaresco espanhol através do protagonista, que traz em si toda a esperteza e picardia de um anti-herói. Leonardinho foi o antecessor em linhagem direta de Macunaíma, de Mário de Andrade e o continuador, no Brasil, de D. Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes.
Retrato vivo dos costumes bem brasileiros do início do século XIX, o romance focaliza um sem número de tipos populares do Rio de Janeiro suburbano. Esse painel pitoresco retrata a alegria de viver, a malícia da época, as fofocas, as beatices, as crendices, as festas, as profissões, as modas, as procissões, os costumes e hábitos de nosso povo. Leonardinho é o típico malandro carioca, cheio de picardia, esperteza, sarcasmo e desejo de vingança.
Podemos destacar entre as temáticas fundamentais as críticas ao autoritarismo policial, à religião, ao clero imoral, ao interesse econômico, ao casamento como meio de ascensão social e à vadiagem como meio de vida. Há, ainda, uma espécie de paródia do próprio Romantismo, montado nessa obra às avessas, abandonando os adocicados finais felizes para deixar nas entrelinhas uma sucessão de fatos tristes que poderiam vir a acontecer.

COMENTÁRIOS FINAIS

Fica claro, pelos elementos apresentados até aqui, a respeito do foco narrativo, da construção das personagens (em especial Leonardo), da estruturação do enredo, da concepção adotada pela recriação de uma época e pelos elementos lingüísticos, que este é um romance atípico dentro do Romantismo.
Para finalizar, é o próprio narrador quem nos dá provas disto, no capítulo XXXIII, ao criticar a opinião romântica: “...quer porque já o negócio com Luisinha o tivesse desasnado, quer porque agora fosse a paixão mais forte, embora essa última hipótese vá de encontro à opinião dos ultra-românticos, que põem todos os bofes pela boca pelo tal — primeiro amor — no exemplo que nos dá o Leonardo aprendam o quanto ele tem de duradouro.”.

EXERCÍCIOS

Leia com atenção o texto abaixo para responder às questões de 1 a 3.

“O Leonardo abandonara de uma vez para sempre a casa fatal onde tinha sofrido tamanha infelicidade; nem mesmo passara mais por aquelas alturas; de maneira que o compadre por muito tempo não lhe pôde pôr a vista em cima.
   O pequeno, enquanto se achou novato em casa do padrinho, portou-se com toda sisudez e gravidade; apenas porém foi tomando mais familiaridade, começou a pôr as manguinhas de fora.”
(Manuel Antônio de Almeida)

1) Dê o título do romance do qual se extraiu o texto acima. Por que o romance tem esse título?

2) Cite, além dos referidos no texto, dois outros personagens do mesmo romance.

3) A respeito do romance, disse um crítico: “...tem excepcional valor documentário e como crônica de uma época”. Teria Manuel Antônio de Almeida vivido nessa época? Justifique a resposta:

Texto para as questões 4 e 5.

“Luisinha pôs-se a chorar, mas choraria por qualquer vivente, porque tinha coração terno.
   Estavam presentes algumas pessoas das vizinhanças, e uma delas disse baixinho à outra, vendo o pranto de Luisinha:
   - Não são lágrimas de viúva...
   E não eram, nós já o dissemos. O mundo faz disso as mais das vezes um crime. E os antecedentes? Porventura ante seu coração fora José Manoel marido de Luisinha? Nunca o fora senão ante as conveniências aquelas lágrimas bastavam. Nem o médico nem D. Maria se haviam enganado: à noitinha, José Manoel expirou.
   No dia seguinte fizeram-se os preparativos para o enterro. A comadre, informada de tudo, compareceu pesarosa a prestar seus bons ofícios, suas consolações.
   O enterro saiu acompanhado pela gente da amizade: os escravos da casa fizeram uma algazarra tremenda. A vizinhança pôs-se toda à janela e tudo foi analisado, desde as argolas do caixão até o número e qualidade dos convidados; e sobre cada um desses pontos aparecem três ou quatro opiniões diversas.
   Naqueles tempos ainda se não usavam os discursos fúnebres, nem os necrológicos, que hoje andam tanto em voga; escapamos, pois, de mais essa. José Manoel dorme em paz no seu derradeiro jazigo.”
(Manuel Antônio de Almeida – Memórias de um Sargento de Milícias)

4)
a) Por que as lágrimas de Luisinha não eram de viúva?
b) Em que expressão do texto o autor estabelece um diálogo com o leitor?

5) De que elementos se serviu a vizinhança para avaliar o falecido?

6) Indique a alternativa que se refere corretamente ao protagonista de “Memórias de um sargento de Milícias”, de Manoel Antônio de Almeida:

a) Ele é uma espécie de barro vital, ainda amorfo, a que o prazer e o medo vão mostrando os caminhos a seguir, até sua transformação final em símbolo sublimado.
b) Enquanto cínico, calcula friamente o carreirismo matrimonial; mas o sujeito moral sempre emerge, condenando o próprio cinismo ao inferno da culpa, do remorso e da expiação.
c) A personalidade assumida sátiro é a máscara de seu fundo lírico, genuinamente puro, a ilustrar a tese da “bondade natural”, adotada pelo autor.
d) Este herói de folhetim se dá a conhecer sobretudo nos diálogos, nos quais revela ao mesmo tempo a malícia aprendida nas ruas e o idealismo romântico que busca ocultar.
e) Nele, como também em personagens menores, há o contínuo e divertido esforço de driblar o acaso das condições adversas e a avidez de gozar os intervalos da boa sorte.

7) Manuel Antônio deseja contar de que maneira se vivia no Rio popularesco de D. João VI; as famílias mal organizadas, os vadios, as procissões, as festas e as danças, a polícia; o mecanismo dos empenhos, influências, compadrios, punições que determinavam certa forma de consciência e se manifestavam por certos tipos de comportamento [...]. o livro aparece, pois, como seqüência de situações.
(Antônio Candido - Formação da Literatura brasileira)

a) Quem dá unidade, na obra, a essa seqüência de episódios aparentemente soltos?
b) Cite um desses relatos e mostre como ele se articula com a linha mestra do romance:

8) “Como sempre acontece a quem tem muito onde escolher, o pequeno, a quem o padrinho queria fazer clérigo mandando-o a Coimbra, a quem a madrinha queria fazer artista, mantendo-o na Conceição, a quem D. Maria queria fazer rádula, arranjando-o em algum cartório, e a quem enfim cada conhecido ou amigo queria dar um destino que julgava mais conveniente às inclinações que nele descobria, o pequeno, dizemos, tendo tantas coisas boas, escolheu a pior possível: nem foi para Coimbra, nem para Conceição, nem para cartório algum; não fez nenhuma dessas coisas, nem também outra qualquer: constituiu-se num completo vadio, vadio-mestre, vadio-tipo.
[...]
Era sobrinha de D. Maria já muito desenvolvida, porém que, tendo perdido as graças de menina, ainda não tinha adquirido a beleza de moça: era alta, magra, pálida; andava com o queixo enterrado no peito, trazia as pálpebras sempre baixas, e olhava a furto; tinha os braços finos e compridos; o cabelo, cortado, dava-lhe apenas até o pescoço, e como andava mal penteada e trazia a cabeça sempre baixa, uma grande porção lhe caía sobre a testa e os olhos, como uma viseira.”
(Manuel Antônio de Almeida)

Tomando como ponto de partida a descrição das personagens presentes no trecho acima, e considerando o romance como um todo, justifique a afirmação do crítico Antonio Candido de que “Memórias de um Sargento de Milícias”, obra escrita no Romantismo, estava meio em descompasso com os padrões e o tom daquele momento:

9) No capítulo XXIII das Memórias de um Sargento de Milícias, o major Vidigal é visitado por três mulheres que intercedem por Leonardo.

“O major recebeu-as de rodaque de chita e tamancos,  não tendo a principio suposto o quilate da visita; apenas porém reconheceu as três, correu apressado à camarinha vizinha, e envergou a mais depressa que pôde a farda; como o tempo urgia, e era uma incivilidade deixar a sós as senhoras, não completou o uniforme, e voltou à sala de farda, calças de enfiar, tamancos e lençol de alcobaça sobre o ombro, segundo seu uso. A comadre, ao vê-lo assim, apesar da aflição em que se achava, mal pode conter uma risada que lhe veio aos lábios”.

Compare essa imagem do major com a que ele tem nos capítulos anteriores. Diga se a nova imagem do major antecipa o resultado da visita das três mulheres e explique por que.

10) ‘Passemos por alto sobre os anos que decorreram desde o nascimento e o batizado do nosso memorando e vamos encontrá-lo já na idade de sete anos’
Comente, a partir do fragmento, a postura do narrador da obra a que ele se refere:

11) Leia o texto:
“Leonardo não é um pícaro da tradição espanhola, mas sim o primeiro grande malandro que entra na novelística brasileira, vindo de uma tradição folclórica e correspondente, mais do que costuma dizer, a certa atmosfera cômica e popularesca de seu tempo no Brasil”.
(Antonio Cândido)

Podemos afirmar também que Leonardo:

a) passa por inúmeras peripécias, superando sempre as dificuldades, sendo que, através dele, triunfa o Bem e o primeiro amor.
b) inverte a trajetória do “herói” do mundo burguês, uma vez que é ironizado e não consegue ascender socialmente.
c) vive inúmeras aventuras amorosas, como é próprio dos heróis do século XIX.
d) retrata o tipo alegre e extrovertido, mas a hospitalidade de todos torna-o um revoltado.
e) caracteriza sarcasticamente o malandro, típico do subúrbio do Rio de Janeiro, que deseja levar vantagem em tudo.

12) No romance ‘Memórias de um Sargento de Milícias’, de Manuel Antônio de Almeida, o que chama a atenção é um aspecto pouco comum nos romances românticos, ou seja, a visão social transmitida a partir da perspectiva:
a) das classes dominantes e aristocráticas.
b) dos segmentos militares da sociedade.
c) dos submundo do crime e da violência.
d) da população estudantil e acadêmica.
e) das classes pobres e desfavorecidas.

13)
“Era este um homem todo em proporções infinitesimais, baixinho, magrinho, de carinha estreita e chupada e excessivamente calvo; usava óculos, tinha pretensões de latinista, e dava bolos nos discípulos por da cá minha palha. Por isso era um dos mais acreditados na cidade. O barbeiro entrou acompanhado pelo afilhado, que ficou um pouco escabriado à vista do aspecto da escola, que nunca tinha imaginado”.
(Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias)

Observando-se, neste trecho, os elementos descritivos, o vocabulário e, especialmente, a lógica da exposição, verifica-se que a posição do narrador frente aos fatos narrados caracteriza-se pela atitude:

a) crítica, em que os costumes são analisados e submetidos a julgamento.
b) lírico-satírica, apontando para um prejuízo moral pressuposto.
c) cômico-irônica, com abstenção de juízo moral definitivo.
d) analítica, em que o narrador onisciente prioriza seu afastamento do narrado.
e) imitativa ou de identificação, que suprime a distância entre o narrador e o narrado.

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